A Sarça Ardente e Moisés – O que Significa? | Estudo Bíblico

Anteriormente a sarça ardente aparecer para Moisés no monte Sinai, ele estava em Midiã. Tinha escapado do Egito, onde, ao intervir para proteger um escravo Israelita, acabou matando um feitor Egípcio. Moisés se vestia, falava e tinha a aparência de um Egípcio.

“Um homem egípcio nos livrou da mão dos pastores” Êxodo 2:19

Disseram as filhas de Jetro quando Moisés as defendeu do tratamento rude que recebiam de pastores locais.

Ele se casa com uma das filhas de Jetro e se estabelece em Midiã para viver como um pastor. E passa a ter uma vida calma, anônima, longe de Faraó e dos Israelitas.

A sarça ardente

Mas essa nova vida, agora passada quase que em câmera lenta, muito característica de interior, repentinamente começa a acelerar e mudar.

Moisés estavapastoreando suas ovelhas, e seus olhos captam a visão de um estranho fenômeno, a sarça ardente:

“E apascentava Moisés o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote em Midiã; e levou o rebanho atrás do deserto, e chegou ao monte de Deus, a Horebe.
E apareceu-lhe o anjo do Senhor em uma chama de fogo do meio duma sarça; e olhou, e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não se consumia.

E Moisés disse: Agora me virarei para lá, e verei esta grande visão, porque a sarça não se queima. E vendo o Senhor que se virava para ver, bradou Deus [ אלהים Elohiym ] a ele do meio da sarça, e disse:
Moisés, Moisés. Respondeu ele: Eis-me aqui. E disse: Não te chegues para cá; tira os sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa. Disse mais: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó.
E Moisés encobriu o seu rosto, porque temeu olhar para Deus [ אלהים Elohiym ].” Êxodo 3:1-6

Deus fala, a Moisés, que Ele tem ouvido o clamor do Seu povo, e que em resposta a esse clamor, e à promessa que havia feito aos patriarcas, Ele traria o fim a essa escravidão. E chama Moisés para lidera-los.

O drama do Êxodo está prestes a começar.

Moisés temeu na sarça ardente

A tradição oral traz um comentário muito interessante sobre a última sentença desta passagem – “E Moisés encobriu o seu rosto, porque temeu olhar para Deus”.

Comparando sua similaridade com outra passagem que ocorreria mais tarde na história do Êxodo, quando Moisés desceu do Sinai, depois do episódio do bezerro de ouro:

“E aconteceu que, descendo Moisés do monte Sinai trazia as duas tábuas do testemunho em suas mãos, sim, quando desceu do monte, Moisés não sabia que a pele do seu rosto resplandecia, depois que falara com ele.

Olhando, pois, Arão e todos os filhos de Israel para Moisés, eis que a pele do seu rosto resplandecia; por isso temeram chegar-se a ele.” Êxodo 34:29-30

A tradição oral comenta:

“Em recompensa por ter tido atitudes de fé, Moisés teve o privilégio de receber bênçãos. Em recompensa por “E Moisés encobriu o seu rosto”, lhe foi dado um rosto radiante.

Em recompensa por “temeu olhar para Deus”, lhe foi dado que “por isso temeram chegar-se a ele. Em recompensa por “temeu olhar para Deus”, foi lhe dado “que visse Deus”.

Por ter se aproximado de Deus, mais do que qualquer outra pessoa, Moisés adquiriu algumas das características divinas. Claro que ele continuava a ser um humano, mas a sua face exibia o brilho da salvação. E emanava essa luz:

“Falou-lhes, pois, Jesus outra vez, dizendo: Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida.” João 8:12

Mas uma dessas recompensas, que a tradição oral fala, parece estranha. As duas primeiras são do tipo medida por medida. Porque ele escondeu sua face, mais adiante, na história bíblica, sua face se tornou radiante.

Porque temeu olhar para Deus, os Israelitas temeram se aproximar dele. Até este ponto, tudo ok.

Mas o terceiro comentário – “porque ele temeu olhar para Deus, foi dado que visse Deus” – Era errado ou certo, olhar para Deus? Se era certo, por que Moisés temeu olhar para Deus?

Se era errado, porque então depois ele é recompensado, vendo, ou falando com o Senhor, face a face?

Moisés um homem de justiça

Segundo a tradição oral, havia uma questão que intrigava muito a Moisés: Por que os inocentes sofrem? Por que há o mal no mundo?

Moisés era um homem que tinha um elevado senso de justiça. Quando ele viu o escravo sendo espancado, ou os dois Israelitas brigando, ou duas jovens sendo maltratadas por pastores, em todos os casos ele interveio.

Mais a frente no Êxodo, quando sua abordagem a Faraó fez com que a escravidão se tornasse ainda mais pesada para os Hebreus, ele disse pra Deus:

“Senhor! por que fizeste mal a este povo? por que me enviaste? Porque desde que me apresentei a Faraó para falar em teu nome, ele maltratou a este povo; e de nenhuma sorte livraste o teu povo.” Êxodo 5:22-23

Moisés tinha o mesmo senso de justiça de Abraão, que disse a Deus:

“Não faria justiça o Juiz de toda a terra?” Gênesis 18:25

Justiça; essa é a questão das questões para a fé bíblica. O paganismo antigo, bem como o secularismo atual, não tem semelhante dúvida. Por que deveríamos esperar justiça neste mundo?

Os deuses, deste mundo, estão indiferentes ao ser humano. O universo não é um local moral, foi criado por acaso, um acidente, uma explosão sem sentido.

O mundo é uma arena de conflito. Os mais fortes vencem. Os mais fracos sofrem, e os espertos se dão bem.

E se não há Deus, ou mesmo se há um monte de deuses (dá no mesmo o resultado), não há razão para se esperar por justiça, é uma questão que não faria sentido.

Mas diferentemente, para a fé bíblica, justiça faz muito sentido. Deus, o supremo poder, é justo. E foi por causa da sua justiça que Ele escolheu a Abraão, primeiramente, para que ele ensinasse aos seus filhos e a toda a sua casa:

“para que guardem o caminho do Senhor, para agir com justiça e juízo.” Gênesis 18:19

O sofrimento do justo

Por que então os bons sofrem, enquanto que os homens maus prosperam? Esta é uma pergunta que reverbera através dos séculos, no livro de Jeremias, no livro de Jó, na tradição oral, e até na literatura judaica pós-holocausto.

Essa era a pergunta que estava em Moisés, e que não o deixava em paz. Por que os Israelitas foram escravizados? O que de errado eles teriam feito para merecerpassar por este sofrimento?

Por que aquele regime Egípcio, brutal, era tão forte? Onde estava a justiça do mundo?

Dor, tristeza, sofrimento, são coisas ruins, são muito ruins. Mas ainda assim, são muitas vezes por meio delas que moldamos o nosso caráter, quando compreendemos que elas são necessárias para se atingir algo de bom.

Um bom pai sabe que muitas vezes é necessário dar um remédio de sabor amargo a seu filho, mesmo que ele chore, não querendo toma-lo por causa de seu sabor ruim.

Um médico deve muitas vezes aplicar medicamentos que podem causar alguma dor ou desconforto em seu paciente. Mas ele sabe no final que é para a sua cura e restabelecimento.

Um político pode muitas vezes ter que tomar decisões impopulares, que não vão agradar à população de imediato, mas que são imprescindíveis, pois se não forem implementadas, podem causar situações catastróficas no longo prazo.

Há tempos que precisamos passar por situações difíceis, se quisermos trazer o bem duradouro a nossas vidas. E foi por isso que Moisés temeu ao olhar para Deus:

“Moisés encobriu o seu rosto, porque temeu olhar para Deus.” Êxodo 3:1-6

Se ele apenas pudesse olhar para a face divina, ele poderia entender a história do sofrimento humano, da perspectiva dos céus. Ele ao menos saberia que este sofrimento era necessário para se ter um ganho futuro.

Ele entenderia o ultimato divino sobre a justiça na história.

Mas isto é o que Moisés não pôde fazer, não pôde suportar na sarça ardente, porque é simplesmente muito alto o preço de tamanho conhecimento.

Ele recusa olhar para a face de Deus porque teria que entender a história humana, da perspectiva divina. Mas isto teria o custo de se deixar de ser humano.

E sem a natureza humana, como Moisés continuaria a ser movido pelo choro dos escravos Israelitas, pela angústia dos oprimidos?

Se ele entendesse que todas essas coisas tem seu lugar no grande plano universal, se ele entendesse que esse sofrimento era necessário para trazer o bem, no longo prazo?

Tamanho conhecimento não é humano – mas divino. E tê-lo, significaria dizer adeus aos nossos mais humanos instintos – Compaixão e identificação com o apelo do inocente, do aflito e oprimido.

Se olhar para a face de Deus fosse igual a entender o porquê de o sofrimento ser necessário, então Moisés temeriafazê-lo.

Temeria que o ato de olhar para Deus, e entendê-lo, poderia roubá-lo da única coisa que ele sentia nos seus “ossos”, a mesma coisa que fez dele o líder que ele se tornou:

Sua indignação ao ver o mal, o que o levou, por diversas vezes, a intervir na história em nome da justiça.

Moisés temeu “olhar para a face de Deus”. Mas há dois nomes primários para Deus na bíblia:

אלהים Elohiym e o tetragrama, formado por quatro letras, יהוה‎ YAHWEH. Elohiym, diz a tradição oral, se refere ao atributo divino conhecido como justiça. YAHWEH se refere à compaixão, a sua misericórdia, a sua bondade.

No episódio da Sarça Ardente, Moisés temeu olhar para אלהים Elohiym, a justiça de Deus, representada pela sarça que queimava mas não se consumia.

Na sua recompensa, anos depois no Êxodo, Moisés pôde contemplar a forma de יהוה‎ YAHWEH. Aí ele pôde entender a compaixão e a misericórdia divina.

Mas Moisés não entendeu – ou teve medo de entender – a justiça de Deus, na sarça ardente.

Ele preferia mais lutar por justiça, da forma como ele a compreendia, do que aceitá-la da forma como ela desenvolvia o seu papel no grande plano universal criado por Deus.

Quando se referia à misericórdia e bondade, Moisés era inspirado pelos céus. Mas quando o assunto era justiça, ele preferia ser mais humano do que divino. E isto tem sido assim, com toda a humanidade, em todos os tempos.

Isso explica porque Jó, no livro de Jó, protesta contra a injustiça de seu destino. Seus amigos diziam que ele estava errado. Deus é justo, por isso, deveria haver uma razão pelo qual todas aquelas tragédias tinham caído sobre ele.

Por todos aqueles diálogos, nós sentimos que Jó estava a um passo de cometer blasfêmia, e que seus amigos falavam a verdade. Entretanto, no final da história, as nossas expectativas são repentinamente transformadas.

Deus diz a Elifaz e seus amigos:

“Sucedeu que, acabando o Senhor de falar a Jó aquelas palavras, o Senhor disse a Elifaz, o temanita:
A minha ira se acendeu contra ti, e contra os teus dois amigos, porque não falastes de mim o que era reto, como o meu servo Jó.” Jó 42:7

É sim uma surpreendente reviravolta na compreensão da justiça divina. Os protestos de Jó, em não aceitar o sofrimento e o seu destino, foram melhor recebidos do que a repreensão de seus amigos.

Existe um ultimato de justiça sobre a humanidade, mas nós não podemos compreendê-lo. Como humanos, a nossa mente é muito limitada.

Mas mesmo assim, Deus busca o nosso protesto contra o mal, a nossa paixão pela justiça, e a nossa recusa em aceitar um mundo onde o inocente sofre e o ímpio tem poder.

E esta recusa, nascida do coração da fé, é a convicção de que Deus quer que nós permaneçamos na busca da justiça. Foi isso que moveu Abraão, Moisés, Jeremias e Jó.

E que tem movido e inspirado sucessivas gerações que tem lutado contra a escravidão, tirania, misérias e doenças. É isso que nos move para nos tornarmos parceiros de Deus na obra da redenção do homem.

Dada a oportunidade de olhar e ver o sofrimento do ponto de vista divino, Moisés teve medo. Ele estava certo, e foi recompensado por isso.

Deus não quer fiquemos tentando entender os motivos do sofrimento do inocente, Ele quer é que lutemos por um mundo aonde o inocente nunca mais venha a sofrer.

“Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.” João 16:33

“Porque, como as aflições de Cristo são abundantes em nós, assim também é abundante a nossa consolação por meio de Cristo.” 2 Coríntios 1:5 “Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada.” Romanos 8:18

Sobre o autor |Website

Cursou hebraico bíblico, geografia bíblica, Novo Testamento, e estudos do Apocalipse; é especialista em estudos da Bíblia, certificado pelo Israel Institute of Biblical Studies, autor do livro Gênesis, o livro dos patriarcas.

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