O Livro da Vida e Moisés – Risca, peço-te o meu nome | Estudo

Pela primeira vez, desde o início do Êxodo, o nome de Moisés está ausente por toda uma divisão completa, uma parte do texto bíblico. Por que Deus teria deixado o nome de Moisés fora da divisão do texto do Êxodo, conhecida em hebraico como תצוה Tetzaveh?

Essa pergunta vem do fato que Moisés é deliberadamente e claramente omitido desta parte do livro do Êxodo.

Por diversas vezes, a Bíblia cria situações onde o nome do grande líder dos Israelitas deveria aparecer – mas que no final, serve apenas para excluir o seu nome do texto.

Vemos já na primeira sentença desse trecho do livro do Êxodo, que ela não é iniciada da forma usual:

“E o Senhor falou a Moisés, dizendo…”.

Ao invés disso, nós encontramos uma ordem abrupta e direta: “Tu pois ordenarás aos filhos de Israel…” Êxodo 27:20, sem citar o nome do grande Legislador de Israel.

Risca-me peço-te, do teu livro

Há uma uma história simbólica, que faz uma fantástica conexão entre a omissão do nome de Moisés, em todo este trecho do livro do Êxodo, com o dramático encontro que houve entre o líder Israelita e Deus.

Porém que só aparece no texto bíblico bem mais adiante na história da redenção.

Depois dos filhos de Jacó terem cometido o gravíssimo pecado de adorar ao עגל הזהב egel hazahav, bezerro de Ouro, Moisés se volta para o povo e diz:

“Vós cometestes grande pecado. Agora, porém, subirei ao Senhor; porventura farei propiciação por vosso pecado.” Êxodo 32:30.

Moisés, então, sobe o monte Sinai onde ele confronta o seu Criador:

“Ora, este povo cometeu grande pecado fazendo para si deuses de ouro. Agora, pois, perdoa o seu pecado; se não, risca-me, peço-te, do teu livro, que tens escrito.” Êxodo 32:31-32.

Ao que Deus o responde:

“Aquele que pecar contra mim, a este riscarei do meu livro.” Êxodo 32:33

Estas declarações são muito intrigantes. Que livro seria este a que Deus e Moisés se referem? Muitos estudiosos acreditam que ambos se referiam ao Livro da Vida, que é citado no texto do livro do Apocalipse.

“E aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo.” Apocalipse 20:15

Há, porém, uma tradição Talmúdica que afirma que Moisés se referia ao Livro do Julgamento, onde Deus determinava o destino (aqui com sentido de sentença), que seria dado à Sua Criação:

“Sejam riscados do livro dos vivos, e não sejam inscritos com os justos.” Salmos 69:28 “Se o Senhor não perdoar os Israelitas, então, risque-me do livro celestial do julgamento, para que assim eu morra…” Talmud Bavli Rosh Hashana 16b

Ainda há aqueles que sugerem que quando Moisés pediu, “risca-me, peço-te, do teu livro”, ele estaria falando da Bíblia, nos seus cinco primeiros livros.

“Se o Senhor não perdoar aos Israelitas, então estou fora! Apague o meu nome de todo o texto da Torá! Eu não quero mais fazer parte deste plano da Redenção!” Midrash Rabba Shemot 47:9

A resposta divina deixa muito claro que Deus não tinha nenhuma intenção de “apagar Moisés do Seu livro”. O problema que surge aqui, é que Deus não poderia simplesmente ignorar as palavras do grande líder Israelita.

Deus tinha entregado nas mãos de Moisés uma grande missão, e confirmava cada palavra dele com grande poder. Deus deu poder a Moisés, para ver as suas palavras sendo cumpridas, na medida em que este grande profeta falasse.

E para fazer cumprir as palavras que Moisés havia falado sobre si mesmo, o Senhor deliberadamente omite o nome de Moisés de todo esse trecho Bíblico.

Enquanto que essa abordagem da tradição oral é bastante poderosa, ela não é muito feliz em apontar uma questão fundamental:

Por que, entre todos os trechos do Êxodo, teria sido escolhida logo a divisão Tetzave, para omitir o nome de Moisés?

O líder não sabe tudo

Se olharmos mais de perto o dramático encontro ocorrido em Deus e Moisés, veremos surgir possibilidades fascinantes.

Nos momentos críticos e turbulentos que seguiram o pecado do bezerro de ouro, Moisés aparentemente comete um erro fundamental na sua atuação como líder – um erro que foi imediatamente corrigido por Deus.

Este erro começa no momento em que Moisés se volta para o povo e diz:

“Vós cometestes grande pecado. Agora, porém, subirei ao Senhor; porventura farei propiciação por vosso pecado” Êxodo 32:30.

Subindo ao monte Sinai, Moisés confronta o seu Criador:

“Ora, este povo cometeu grande pecado fazendo para si deuses de ouro. Agora, pois, perdoa o seu pecado; se não, risca-me, peço-te, do teu livro, que tens escrito Êxodo 32:31-32

Em outras palavras, Moisés estava dizendo: “Se o Senhor não perdoar os Israelitas, use-me como expiação por eles. Puna-me ao invés deles!” A resposta divina é rápida e enfática:

“Aquele que pecar contra mim, a este riscarei do meu livro” Êxodo 32:33 – “Moisés, mesmo com tudo o que ocorreu, você ainda não entendeu. Não aceitarei substitutos quando se tratar de responsabilidade pessoal.
Você não pode pagar pelos erros dos outros. Aqueles que pecarem devem ser responsabilizados diretamente”.

Com esse entendimento, o dramático encontro de Moisés com Deus, que se seguiu após o חֵטְא הַעֵגֶּל chet ha’egel, o pecado do bezerro de ouro, reflete as lições aprendidas daquele evento.

Mesmo Moisés precisava ser lembrado que ele não poderia servir de intermediário entre Deus e o Seu povo.

Esta era uma tarefa divina, somente Deus pode interceder por nós, em relação a si mesmo, pois na cruz do calvário era Deus (o Filho), sendo castigado por Deus (o Pai), para que nós pudéssemos receber o perdão dos pecados.

É somente Deus quem pode interceder por nós para consigo mesmo, pois no calvário era Deus castigando Deus, era Deus se entendendo com Deus ao nosso respeito:

“Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” Isaías 53:5 “E perto da hora nona exclamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lamá sabactâni; isto é, Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” Mateus 27:46

Agora nós podemos entender a conexão que há entre esta parashá (trecho Bíblico), e a omissão do nome de Moisés. A parashá Tetzave é dedicada exclusivamente ao tema da כהונה kehuná, o Sacerdócio.

E nos limites desta parashá, a Bíblia introduz o conceito de כהונה kehuná, trazendo os detalhes das vestimentas e da investidura de Arão e seus descendentes na sua tarefa como כהנים Kohanim, sacerdotes.

E como vimos anteriormente, a função de כֹּהֵן cohen, sacerdote, carrega o potencial perigo de que o sacerdote possa perceber a si mesmo como um intermediário entre Deus e o povo.

Ao contrário, o sacerdote era apenas um representante da nação Israelita, dentro do Templo.

Para ilustrar que nenhum homem deve ter essa percepção de si mesmo como um intermediário entre o Criador e o povo, o Senhor omite o nome de Moisés de todo esse trecho Bíblico específico.

Cuidado com o que pedimos

Alguns estudiosos oferecem outra explicação para a ausência do nome de Moisés, nesta parashá.

Baseados em uma tradição Talmúdica que tem suas raízes ligadas ao episódio da sarça ardente, quando Deus chama Moisés para a sua missão de liderança do povo de Israel.

Naquele momento, Deus tenta persuadir Moisés em aceitar a totalidade da missão que Ele tinha preparado, mas o líder Israelita apresenta muitas objeções, até que o Êxodo afirma:

“Então se acendeu a ira do Senhor contra Moisés, e disse: Não é Arão, o levita, teu irmão? Eu sei que ele falará muito bem; e eis que ele também sai ao teu encontro; e, vendo-te, se alegrará em seu coração” Êxodo 4:14

Notando a “ira divina” e a introdução de Arão nesta história do Êxodo, o Rabino Shimon bar Yochai, explica que Moisés perdeu uma posição muito mais honrosa do que posteriormente lhe foi dada.

Originalmente, Moisés não estava destinado a ser apenas o מֹשֶׁה רַבֵּנוּ “Moshê Rabbeinu”, o “Legislador”, professor e líder político de Israel. Ele era para ser também o כהן גדול kohen gadol, o Sumo Sacerdote.

Mas devido à recorrente relutância de Moisés em aceitar fazer o que Deus o pedia, o Senhor retira dele esta honraria e a coloca sobre o seu irmão אַהֲרֹן Arão.

E para ilustrar esta honra perdida, o nome de Moisés foi deixado ausente deste trecho da Bíblia.

O sucesso do líder é o brilho dos outros

Outra abordagem, não menos intrigante, afirma que a ausência do nome de Moisés nessa parashá (Tetzave), pode ser de natureza muito mais simples do que se imagina, quando tomamos a interpretação oferecida pela פשט peshat (o sentido direto e literal do texto Bíblico).

A parashá Tetzave é a parashá de אַהֲרֹן Aharon, Arão, a parte do Êxodo que inicia o relato da honra do glorioso ministério que Arão e seus descendentes estavam por assumir.

Em reconhecimento a este fato, de que este seria o momento de Arão, o tempo de Arão, é que Moisés se retira do texto para permitir que o “brilho” de Arão resplandeça.

Com certeza Moisés está presente, e realizando todos os precedimentos e preparativos para que Arão receba o seu ministério do Sacerdócio, porém é Arão quem está no centro da narrativa, desta vez.

Mesmo Moisés, o maior líder da Bíblia Hebraica, sabe que às vezes é necessário recuar para permitir que outras pessoas possam ser reconhecidas e “brilhar” também!

Nós não temos que ser sempre “os melhores” em tudo! Sabemos que o mundo não gira em torno de nós. Podemos atingir o sucesso, muitas vezes, por permitir que outras pessoas também atinjam seus objetivos.

A felicidade também está em participar da felicidade dos outros, quando estes sentem-se felizes por terem chegado ao sucesso:

“Alegrai-vos com os que se alegram; e chorai com os que choram;” Romanos 12:15

Sobre o autor |Website

Cursou hebraico bíblico, geografia bíblica, Novo Testamento, e estudos do Apocalipse; é especialista em estudos da Bíblia, certificado pelo Israel Institute of Biblical Studies, autor do livro Gênesis, o livro dos patriarcas.

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