Um Reino Sacerdotal e Povo Santo | Estudo Bíblico Evangélico

Em um momento imediatamente anterior à revelação no Sinai, Deus instrui Moisés a comunicar ao povo uma magnífica proposta. Ele os convida a entrar na Aliança, o pacto que definiria as suas identidades para sempre.

“E vós me sereis um reino sacerdotal e o povo santo. Estas são as palavras que falarás aos filhos de Israel.” Êxodo 19:6

A frase “reino sacerdotal e o povo santo”, escrita no original com apenas quatro palavras hebraicas מַמְלָכָה כֹּהֲנִ֖ים וְג֣וֹי קָד֑וֹשׁ mamlechet Kohanim v’goy kadosh – se tornou a menor, a mais simples e a mais desafiadora tarefa do povo de Deus.

A primeira parte desta frase fala de uma “reino de sacerdotes“. De fato o sacerdócio não foi atribuído a todo o povo, mas era uma tarefa dada por Deus a אהרן Arão e seus filhos – também conhecidos como כהנים kohanim.

Mas na Bíblia, o sacerdócio não era especificamente visto como uma missão exclusivamente dos Israelitas. Melquisedeque, contemporâneo de Abraão, foi descrito como sendo “sacerdote do Deus Altíssimo.” Gênesis 14:18.

O sogro de Moisés, também é descrito como Jetro, sacerdote de Midiã” Êxodo 18:1. Por isso essas palavras se tornam um tanto difíceis de se compreender.

Os comentaristas clássicos do Antigo Testamento – Ibn Ezra e Nahmanides – interpretam a palavra כֹּהֲנִ֖ים kohanim, como “servos” ao invés de sacerdotes.

O sacerdote era alguém consagrado para o servir a Deus. Esta era, a partir de então, a tarefa dos Israelitas como um todo.

Outros comentaristas – Rashi e Rashbam – entendem kohanim como “príncipes”, tendo como base o texto em que os filhos do rei Davi são descritos como כֹּהֲנִ֖ים kohanin, o que obviamente tem que ser traduzidos como realeza, nobreza ou príncipes.

“Também Benaia, filho de Jeoiada, estava sobre os quereteus e peleteus; porém os filhos de Davi eram – כֹּהֲנִ֥ים kohanim – ministros.” 2 Samuel 8:18

Igualdade pelo conhecimento do Senhor

A interpretação mais interessante dessa passagem vem de Ovadia Sforno, que dizia que assim como os filhos de Arão traziam o sacerdócio para os filhos de Jacó, de forma semelhante os Israelitas eram verdadeiros sacerdotes em relação ao restante da humanidade.

Essa foi uma das promessas que Deus havia feito a Abraão, que a sua descendência ensinaria ao mundo o caminho do Senhor e a guardar a sua palavra:

“e em ti serão benditas todas as famílias da terra.” Gênesis 12:3

E olhando em uma perspectiva mais aberta, no contexto e no background do mundo antigo, no qual a narrativa bíblica se lança, começamos a ver surgir uma das propostas mais transformadoras da situação humana que permanece até os dias atuais.

Nós vemos a evidência dessa transformação em diversos locais da bíblia. O profeta יְשַׁעְיָהוּ Yesha’yahu, Isaías, diz:

“E todos os teus filhos serão ensinados do Senhor; e a paz de teus filhos será abundante.” Isaías 54:13

Pela educação, pelo estudo da palavra de Deus nós aprendemos sobre igualdade. Todos estão sobre a mesma condição diante do Pai. Somos todos a Sua imagem e semelhança.

Uma nação inteira é chamada de “reino sacerdotal”, todos são sacerdotes do Deus altíssimo.

No livro de Juízes, antes de Israel ter o seu primeiro rei, nós lemos que Gideão:

“Tomou preso a um moço dos homens de Sucote, e lhe fez perguntas; o qual lhe deu por escrito os nomes dos príncipes de Sucote, e dos seus anciãos, setenta e sete homens.” Juízes 8:14

Gideão não teve dúvida de que o moço, escolhido e preso ao acaso, saberia ler e escrever sem dificuldade.

Após a Revelação no monte Sinai, Moisés:

“tomou o livro da aliança e o leu aos ouvidos do povo” Êxodo 24:7.

Esse livro era um rolo de pergaminho? Uma tábua de pedra? Não há como sabermos, porém não é mera coincidência que Israel seja a única nação que recebeu a sua Lei antes mesmo de possuir a sua terra.

E uma Lei que podia ser facilmente escrita e transportada para qualquer lugar era a expressão do Deus que está em todos os lugares, tanto na terra prometida como também no deserto.

Além disso, a ideia de uma sociedade com acesso universal à literatura (mesmo que religiosa, pois todos foram denominados sacerdotes), era algo profundamente transformado.

Na medida que o acesso à educação e ao conhecimento podem transformar toda uma sociedade, principalmente o conhecimento de Deus.

Esta ideia também sinalizava para a possibilidade do nascimento de um povo sem hierarquia social – um reino de sacerdotal – onde todos são chamados à mesma posição, em igualdade social, onde todos tem acesso ao conhecimento.

Igualdade é ponto máximo, buscado mais nunca atingido pela política revolucionária. As duas tentativas mais conhecidas foram a igualdade de riqueza (por meio do comunismo ou do socialismo) e igualdade de poder (por meio da democracia).

É muito improvável que alguma dessas formas irá conseguir atingir a igualdade real entre as pessoas, simplesmente por que riqueza e poder constituem bens deste mundo que chegam a escravizar quem as buscam demasiadamente.

E quanto mais você possui, menos eu irei possuir. Quanto mais poder você tiver, menos eu terei. É assim que na prática funcionam a riqueza e o poder, criando elites, formando classes sociais, tornando as pessoas desiguais.

Com o conhecimento é diferente. Se eu der todo o meu conhecimento a você, caro leitor, eu não vou saber menos. Ao contrário, eu posso até aprender mais nesse compartilhamento.

Igualdade baseada no acesso conhecimento é a única verdadeira igualdade que poderá sobreviver neste mundo.

E no Sinai, a Lei, o conhecimento descia do próprio Criador. Era a transmissão de conhecimento que trazia igualdade, um reino inteiro de sacerdotes, todos iguais, todos com livre acesso ao conhecimento, a Lei de Deus.

Ali, cada membro do povo se tornou em parceiro de Deus. Ele falou a todos. Não era uma revelação a um profeta em particular, nem a um determinado grupo, mas a todo o povo:

“Então disse o Senhor a Moisés: Assim dirás aos filhos de Israel: Vós tendes visto que, dos céus, eu falei convosco.” Êxodo 20:22

Durante a idade média, somente o clero, os ministros da religião tinham acesso ao cânon sagrado. O texto estava escrito em uma língua já morta, para escondê-lo do povo, e somente as elites religiosas é quem tinham a habilidade para o ler.

Foi um período onde o fanatismo religioso cresceu absurdamente, e onde a perseguição religiosa torturou e tirou muitas vidas inocentes. Sem acesso ao conhecimento do Senhor, o mundo entrou em densas trevas.

“O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento;” Oséias 4:6

Uma nação de sacerdotes, entretanto, é uma nação de acesso universal ao conhecimento e a literatura. A Lei de Deus e os Seus mandamentos não foram escritos por um rei distante, nem foram impostos pela força.

Também não eram um código esotérico, em uma língua que somente as elites religiosas poderiam entender. Mas era o conhecimento disponível e de fácil entendimento a qualquer pessoa que dele quisesse aprender.

Deus a partir de então se tornava em professor, Israel em aluno e as escrituras os ligavam um ao outro. É preciso ter fome e sede de aprender deste conhecimento e desta palavra.

Este é o nosso sacerdócio, de buscar de Deus por meio da Sua palavra e ensinar ao mundo o caminho do Senhor, para fazerem o que é justo é o que é correto.

“Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz;” 1 Pedro 2:9

Sobre o autor |Website

Cursou hebraico bíblico, geografia bíblica, Novo Testamento, e estudos do Apocalipse; é especialista em estudos da Bíblia, certificado pelo Israel Institute of Biblical Studies, autor do livro Gênesis, o livro dos patriarcas.

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1 Comentário

  1. Elias Kindi disse:

    interessante o teu texto Israel. Você estudou bem a tradição judaica. Considerando o verso anterior, Êxodo 19,5 ( E agora, se ouvirdes atentamente minha voz e guardares minha aliança sereis para mim o tesouro de todos os povos, porque minha é a terra) Ou seja a posição de Sacerdote ou de Santo nao seria CONDICIONAL ao comportamento de Israel ?