A História de Isaque | História de Abraão e Isaque | Estudo

A história de Abraão e Isaque caminhando para o monte Moriá, é uma das passagens mais difíceis do Antigo Testamento, e que parece desafiar o entendimento de toda a bíblia.

A história de Isaque se inicia com Abraão e Sara esperando há décadas por um filho. Deus os tinha prometido repetidamente que eles teriam muitos descendentes, tantos quantas fossem as estrelas do céu, ou o pó da terra, ou ainda os grãos de areia do mar.

E eles esperam, mas nenhum filho lhes é dado. Sara em desespero, sugere que Abraão tenha um filho com sua serva Agar, e ele tem, nasce Ismael, mas Deus fala a Abraão: Não é este o filho da promessa.

O tempo passa, Sara envelhece, agora ela é avançada em idade, incapaz de ter filhos por meios naturais.

Anjos “disfarçados” de homens vêm a tenda de Abraão e a prometem novamente um filho. Sara ri, mas um ano depois nasce Isaque. A alegria de Sara é indescritível, um louvor nasce em seus lábios. E ela diz:

“Deus me tem feito riso; todo aquele que o ouvir se rirá comigo. Disse mais: Quem diria a Abraão que Sara daria de mamar a filhos? Pois lhe dei um filho na sua velhice” Gênesis 21:6-7.

A história de Isaque

Mas o dia da provação é chegado. Abraão se apresenta prontamente ao chamado divino. Deus lhe dirige duras e pesadas palavras:

“Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi” Gênesis 22:2.

Todos conhecem o restante da história, Abraão toma a seu filho Isaque e eles viajam três dias até o local do sacrifício, e constroem um altar juntamente.

Sob a promessa de que Deus proveria para si um cordeiro, Abraão posiciona Isaque sobre a lenha do altar, ergue seu braço com um cutelo em sua mão, mas naquele momento…

“o anjo do Senhor lhe bradou desde os céus, e disse: Abraão, Abraão! E ele disse: Eis-me aqui. Então disse: Não estendas a tua mão sobre o moço, e não lhe faças nada;
porquanto agora sei que temes a Deus, e não me negaste o teu filho, o teu único filho” Gênesis 22:11-12.
abraão e isaque indo para moriá

A história de Isaque no monte Moriá.

Acaba a provação, o supremo teste de fé, o clímax na vida daquele que seria, dali por diante, chamado de pai da fé.

Este é o momento chave na história e namemória da fé, entretanto, é um fato profundamente problemático a ser entendido.

Por que Deus haveria de querer tomar um filho que Ele já tinha dado? Por que Deus colocaria este casal tão amado por Ele mesmo, sob tamanha provação?

Por que Abraão, que havia anteriormente desafiado os céus, sobre o destino de Sodoma, não protestou contra este ato cruel que envolvia um inocente?

A interpretação padrão da maioria dos comentaristas, tanto antigos como os modernos, afirma que Abraão demonstrou todo o seu amor por Deus, querendo sacrificar o que ele possuía de mais precioso em sua vida, um filho que vinha esperando por tantos e longos anos para ter.

O teólogo cristão dinamarquês Sóren Kierkegaard, escreveu um livro muito interessante sobre esse assunto chamado “Temor e Tremor” .

Ele cunhou a ideia da “suspensão teológica da ética”, a ideia de que por amor a Deus, podemos ser levados a praticar ações que seriam consideradas moralmente erradas.

Kierkegaard também procurou usar expressões como fé no absurdo, Abraão sabia que Deus poderia fazer do impossível, possível.

Para Kierkegaard, a fé transcendia qualquer tipo de racionalidade.

O rabino russo Yossef Dov Soloveitchik, via nessa passagem que nós não devemos ter a expectativa de sempre sermos vitoriosos, há situações em que somos vencidos.

“Deus ordena que o homem abra mão daquilo que mais desejamos”, dizia Soloveitchik.

O sacrifício de crianças no antigo Oriente

Todas essas interpretações estão corretas, elas fazem parte da nossa tradição, mas acredito que há uma interpretação que vai além das já citadas acima, por uma única razão:

Por toda bíblia, encontramos indicações de que o mais grave pecado de todos era o sacrifício de crianças.

O Pentateuco e os Profetas sempre se referiam com horror a este tipo de sacrifício. Era o que os antigos pagãos costumavam fazer em seus cultos de ocultismo e feitiçarias. O profeta Jeremias profetizou sobre isso:

“Porque edificaram os altos de Baal, para queimarem seus filhos no fogo em holocaustos a Baal; o que nunca lhes ordenei, nem falei, nem me veio ao pensamento” Jeremias 19:5.

De forma semelhante o profeta Miqueias também o fez:

“Darei o meu primogênito pela minha transgressão, o fruto do meu ventre pelo pecado da minha alma?” Miquéias 6:7

Sacrifício de crianças foi o feitiço que o rei de Moabe fez, para que os deuses o fizessem vencer uma batalha contra os Israelitas:

“Mas, vendo o rei dos moabitas que a peleja prevalecia contra ele, tomou consigo setecentos homens que sacavam espada, para romperem contra o rei de Edom, porém não puderam.

Então tomou a seu filho primogênito, que havia de reinar em seu lugar, e o ofereceu em holocausto sobre o muro; pelo que houve grande indignação em Israel; por isso retiraram-se dele, e voltaram para a sua terra.” 2 Reis 3:26-27

Isso é o que os idólatras fazem. Assim, como pode a Bíblia chamar o sacrifício de Isaque de suprema realização, se Abraão estava por fazer o mesmo tipo de sacrifício que os piores pagãos idólatras fazem?

O fato é que Abraão estava disposto a sacrificar seu filho, o que parece fazer dele (de acordo com os mandamentos contidos por toda a bíblia), alguém não muito melhor do que os adoradores de baal ou moloque, ou do que o rei pagão de Moabe.

Por isso as interpretações tradicionais não podem ser as únicas a mencionarmos aqui, há uma outra forma de olharmos para o significado de Isaque, no sacrifício feito por Abraão.

Mas para a entendermos, temos que ver o tema geral que a bíblia como um todo nos traz. Primeiramente, vamos ver algumas evidências para que possamos entender.

Entendendo os princípios do sacrifício de Isaque

O primeiro princípio é que Deus tem a terra de Israel em possessão. É por isso que Ele pode ordenar o retorno dessa propriedade aos seus donos originais, no ano de jubileu.

“Também a terra não se venderá em perpetuidade, porque a terra é minha; pois vós sois estrangeiros e peregrinos comigo.” Levítico 25:23.
a história de isaque

O Anjo do Senhor na história de Abraão e Isaque. Deus proverá para si um cordeiro.

O Segundo princípio, afirma que os filhos de Israel pertencem ao Senhor, desde que Ele os redimiu da escravidão do Egito. Era isto que os Israelitas cantavam às margens do Mar Vermelho:

“Espanto e pavor caiu sobre eles; pela grandeza do teu braço emudeceram como pedra; até que o teu povo houvesse passado, ó Senhor, até que passasse este povo que adquiriste.” Êxodo 15:16.

E porque Deus tem os Israelitas em possessão, eles não podem ser vendidos ou transformados em escravos permanentes:

“Porque são meus servos, que tirei da terra do Egito; não serão vendidos como se vendem os escravos.” Levítico 25:42.

Com o terceiro princípio, aprendemos que Deus é o real proprietário de tudo o que existe.

Relacionado a esta profunda verdade, o Talmude traz uma benção que tradicionalmente os hebreus recitam como reconhecimento e agradecimento antes de toda e qualquer boa experiência ou bom uso que possam ter das coisas criadas por Deus.

“O rabino Judah disse em nome de Samuel: Desfrutar de qualquer coisa deste mundo sem agradecer, é como se fizéssemos uso pessoal das coisas consagradas aos céus, desde que Ele diz:
Do SENHOR é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam.” Berakhot 35a (Talmud)

Tudo pertence a Deus, e devemos ter essa consciência antes de usufruirmos as coisas, e é isto que o agradecimento representa, o reconhecimento de que tudo o que temos é do Senhor.

Todos esses princípios formam a base da jurisprudência na Lei de Deus, de que Ele é o proprietário de tudo, por direito, pois Deus criou o universo, assim sendo, Ele é o real dono de tudo o que existe.

Por isso mesmo, Deus é aquele que prescreve os meios e as condições pelas quais nós podemos nos beneficiar daquilo que foi por Ele criado.

O direito das crianças no tempo antigo

Voltando para Abraão e Isaque, no mundo antigo, as crianças eram consideradas propriedades legais de seus pais. Elas não possuíam direitos, nem eram consideradas legalmente como pessoas individuais.

Durante o império romano, havia o princípio de “Pátria Potestas”, em que um pai poderia fazer o que quisesse com seus filhos, até mesmo matá-los. Infanticídio era bem conhecido nos tempos antigos.

Era este princípio que tornava possível a prática do sacrifício de crianças, por todo o mundo antigo. As escrituras não toleram este tipo de holocausto, que é considerado o pior de todos os pecados.

A bíblia, porém, rompe com essa cultura, e busca estabelecer para os filhos, o mesmo que estabeleceu para o universo, para a terra de Israel e para o povo de Israel:

Nós não somos os donos de nossos filhos. Deus sim, Ele é o verdadeiro proprietário dos nossos filhos, e nós somos apenas seus guardiões em serviço do Criador.

E somente um evento tão dramático poderia estabelecer esta ideia tão revolucionária e sem precedentes no mundo antigo. É sobre isso que a história do sacrifício de Isaque quer mostrar.

Isaque não pertence nem a Abraão, nem à Sara. Isaque pertence a Deus. Todos as crianças, jovens e adultos pertencem ao Senhor.

A verdade nesta história é que Deus não quer que Abraão sacrifique seu filho. O que Deus quer é que ele renuncie à propriedade de Isaque, que se concretiza, partindo de “teu filho, a quem amas” ao brado do anjo:

“Não estendas a tua mão sobre o moço, e não lhe faças nada; porquanto agora sei que temes a Deus, e não me negaste o teu filho, o teu único filho.” Gênesis 22:12

Comprados com preço de sangue

O conceito de que somos propriedade do Senhor, começava a ganhar força a partir de então.

Com o Êxodo, aprendemos o significado da redenção, quando Deus com seu braço forte liberta os filhos de Israel da servidão do Egito, tornando-se Senhor e proprietário do Seu povo.

E toda a história do povo de Deus, leva-nos à maior compra que houve na história da humanidade. O preço que foi pago, em resgate de todos os homens.

Deus em Jesus, com seu sangue derramado na cruz, pelo seu sacrifício único e perfeito, que substitui eternamente qualquer outro tipo de sacrifício, nos comprou de uma vez por todas, e nos fez propriedade santa, em possessão eterna do Senhor.

Essa é a história de Isaque, que se o filho de Abraão não lhe pertencia, mas era propriedade divina.

De forma semelhante, nós, através da história de Abraão e Isaque, somos abençoados, todas as famílias da terra são abençoadas, pois fomos feitos propriedades divinas, comprados com preço do santo e precioso sangue de Jesus.

“Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo, e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus.” 1 Coríntios 6:20

Sobre o autor |Website

Cursou hebraico bíblico, geografia bíblica, Novo Testamento, e estudos do Apocalipse; é especialista em estudos da Bíblia, certificado pelo Israel Institute of Biblical Studies, autor do livro Gênesis, o livro dos patriarcas.

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