A Queda do Homem e Suas Consequências | Estudo Bíblico

Haveria algo que explicasse a queda do homem? Será que há uma origem para a desobediência de Adão e Eva no jardim do Éden? O que os textos do Gênesis podem nos revelar sobre a queda do homem?

“E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente,

Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” Gênesis 2:16-17.

“E disse a mulher à serpente: Do fruto das árvores do jardim comeremos, Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus:

Não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais (do hebraico pen-namut פן־נמות)” Gênesis 3:2-3.

Sempre que o Gênesis repete uma conversação ou um evento, é motivo para vermos uma sinalização importante no texto.

Tendo em consideração que tudo o que foi escrito na bíblia tem um propósito, podemos acreditar que existe uma camada de interpretação muito poderosa por de trás das redundâncias bíblicas.

Assim, se compararmos a ordem que Deus deu a Adão, para não comer da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, com a resposta que Eva deu à serpente, teremos bons e tênues indícios da origem da queda do homem, que nos trazem importantes ensinamentos e significantes mensagens.

O Gênesis registra duas versões do mandamento divino dado ao homem. Primeiramente, encontramos este mandamento em sua forma original, quando Adão o recebeu diretamente do Criador.

Mais tarde, na história da criação, Eva o repete para a serpente, revelando algumas inconsistências no seu entendimento.

Com isso, qual seria a necessidade dessas duas versões serem registradas com todos os detalhes? Não seria muito mais simples o Gênesis afirmar “e Eva repetiu o mandamento divino para a serpente”?

Eva não compreendeu

Quando as duas versões do mandamento são comparadas, surge uma série de impressionantes variações:

O Mandamento Divino:

  1. De toda a árvore do jardim comerás livremente;
  2. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás;
  3. porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.

A fala de Eva:

  1. Do fruto das árvores do jardim comeremos;
  2. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis;
  3. para que não morrais (do hebraico pen-namut פן־נמות).

Não temos neste estudo, nenhuma intenção de influenciar uma opinião injusta em relação à Eva, mas devemos notar nesta passagem que houve uma quebra na comunicação entre Deus e o homem.

Não está muito claro em que altura dos acontecimentos possa ter ocorrido.

Deus originalmente ordenou Adão, com relação à Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, antes da criação de Eva. É de se assumir que foi Adão quem instruiu a mulher sobre o mandamento divino.

O Gênesis deixa um tanto vago esse processo de comunicação. Em que ponto se dá a incompreensão da palavra de Deus?

Foi Adão quem não compreendeu a ordem divina? Ou ele não conseguiu passá-la adequadamente a Eva? Ou foi Eva quem falhou em entender o significado moral das palavras do Criador?

Ao não esclarecer o ponto onde há esse ruído na comunicação, o Gênesis transmite uma lição adicional. A comunicação é ao mesmo tempo uma importante e delicada tarefa.

Nós devemos ser precavidos com as mensagens que damos e recebemos, com as palavras que saem da nossa boca.

Nehama Leibowitz, na sua marcante obra, Studies in Bereishit (Estudos em Gênesis), pontua magnificamente que Eva comete o erro trágico de acentuar a parte negativa da mensagem divina, e de negar a positiva.

Deus permitia que Adão e Eva comessem de todas as árvores do jardim.

Aos olhos de Eva, porém, esta permissão extensiva era muito pouco. Existe uma árvore “que está no meio do jardim”, que permanece além do seu alcance.

Não é somente proibido comer dela, como também tocá-la (proibição inventada por ela mesma ou por Adão).

O homem falha quando não aprecia, nem percebe a vantagem do vasto e maravilhoso mundo que está a sua disposição.

Quando damos a nossa atenção a somente aquilo que é proibido, ou que permanece longe do nosso alcance, aí é que caímos na armadilha refletida neste texto.

A serpente, em sua fala, conduz justamente a conversa com Eva nesta direção, para fazê-la ver apenas aquilo que não podia fazer ou possuir. A parte da mensagem fabricada por Eva, “nem nele tocareis”, era a acentuação do negativo.

Logo que Eva “tomou do seu fruto”, e vendo que nada lhe havia acontecido (pois Deus nunca tinha falado em morte por se tocar naquele fruto), então prossegue e consuma o ato, comendo-o.

Este evento, como diz a tradição oral, confirma o dito do rei Salomão: “Não acrescente nada às palavras de Deus!”

adao e eva no jardim do éden

A queda do homem.

Obediência a Deus é um ato moral

Ainda, examinando todas as diferenças entre as versões de Eva e aquela ouvida por Adão no princípio, no que concerne a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, outra grande diferença começa a vir à tona.

O mandamento repetido por Eva à serpente, é mudado no coração de sua natureza moral. A intenção original de Deus parece ser perdida nas palavras da primeira mulher.

Deus especificamente se refere à árvore como "a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal".

Eva se expressa de forma bem diferente. Para ela, não existia mais uma "Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal", mas simplesmente uma "árvore que está no meio do jardim".

No seu ponto de vista, Deus arbitrariamente tinha plantado uma árvore perigosa no jardim do Éden, que não parecia ser diferente das outras, mas ainda assim seu fruto era proibido.

Esta conclusão se dá pela falta de qualquer indicação da natureza daquela árvore, nas palavras de Eva.

Não reconhecendo que era a Árvore que tinha capacidade de transmitir o conhecimento do bem e do mal, Eva ignora que Deus tenha seus motivos para a proibição.

E mais importante ainda, ela não entende que a proibição era uma demanda de Deus sobre o comportamento humano, e não um aviso sobre uma árvore cujos frutos eram venenosos.

Ela prefere mais acreditar que o perigo é arbitrário, criado por um "Deus caprichoso", do que confrontar a realidade de uma "Deidade que pensa" e que faz demandas ao seu comportamento.

E isto é refletido também nas outras duas maiores distorções da versão de Eva da proibição. "Não podemos comer da árvore, apenas. Não podemos até mesmo tocá-la".

A árvore é "tão perigosa que devemos evitá-la a qualquer custo".

De acordo com a tradição oral, a serpente vê nisso, uma abertura, e a usa contra a mulher, demonstrando que não havia tanto perigo assim na Árvore do conhecimento.

Uma vez que o perigo desaparece na mente de Eva, então não havia mais motivo para não comer do fruto proibido.

O que começou como um mandamento racional e moral, torna-se, na mente de Eva, em medo supersticioso. Quando a superstição e o medo se vão, a proibição desaparece juntamente.

A evidência mais profunda de que Eva entendia a Árvore como sendo perigosa, pode ser vista, de acordo como o rabino espanhol Rambam (Moisés Maimônides, 1135-1204), no verso seguinte:

"E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento" Gênesis 3:6.

Por que, questiona Rambam, o Gênesis precisava dizer que Eva viu que a Árvore era atraente em todos esses níveis? Que diferença isso faria?

O Gênesis está indicando que Eva, originalmente, pensava que o fruto da Árvore do Conhecimento era venenoso. Quando ela vê que aparentemente não era, que ao invés, parecia desejável, ela prossegue e come dele.

Ela por não entender as significâncias que estavam na ordem divina, começa a fabricar seus próprios conceitos e conjecturas, em uma tentativa vã, achando que os motivos de Deus eram aparentemente sem sentido.

Mas os caminhos de Deus são profundos demais para o intelecto humano tentar decifrá-los.

"Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos." Isaías 55:9

Para que não morramos

A descrição da possível consequência do comer o fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, por Eva, é também significante.

Deus disse "porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás". Eva simplesmente afirma, "para que não morrais (pen-namut פן־נמות)".

Deus define a morte como uma consequência moral do ato de se comer do fruto proibido (consequência moral da desobediência à palavra de Deus).

Eva via a morte como um potencial e possível perigo, mais do que como uma consequência moral por ter desobedecido a Deus.

Entre a fé e a superstição

As raízes do pecado estavam presentes no jardim do Éden. Do momento em diante que Eva fala com a serpente, uma guerra é iniciada.

Era a luta entre a fé e a superstição, a batalha entre a dedicação voluntária e consciente à vontade de Deus e o ritual cheio de proibições automatizadas, que não chegam ao entendimento nem à realização da consciência humana.

Esta é a luta entre o que Deus quer de nós e aquilo que nós queremos oferecê-lo. É uma batalha que vem acontecendo através dos tempos de todas as gerações, o homem não compreende o que Deus deseja de nós.

"Ouvindo alguém a palavra do reino, e não a entendendo, vem o maligno, e arrebata o que foi semeado no seu coração" Mateus 13:19

Deus está claramente, por toda a bíblia, dizendo, afirmando que o que ele quer é nos ter em possessão eterna, Deus quer a nós mesmos, todo o nosso ser, toda a nossa alma.

Repetidamente, meio que amedrontados com tamanha demanda, nós tentamos oferecê-lo alguma outra coisa.

Foi assim com Caim e Abel, e suas ofertas. Deus não aceitou a oferta de Caim, não por causa da oferta em si, mas por causa do próprio Caim, de sua atitude de querer seduzir a Deus pela beleza de um altar multicolorido.

A intenção do coração de Caim não era boa. Deus estava mais interessado no próprio Caim do que na sua oferta.

Mas Caim prefere matar o seu irmão Abel do que se confrontar consigo mesmo, em um exame de sua própria consciência, para refletir suas intenções e vontades, e se voltar para Deus de todo coração, com todas as suas forças, com sinceridade.

Para Caim, era muito mais fácil fazer uma oferenda linda! Mas Deus não quer oferendas, Deus quer o ser humano por completo!

arvore do conhecimento do bem e do mal

A queda do homem ao comer do fruto proibido.

A queda do homem e suas consequências

Séculos após a queda do homem, a recém-nascida nação Israelita está aos pés do monte Sinai. A grandeza da revelação divina é manchada pelo pecado envolvendo a adoração ao bezerro de ouro.

Um comportamento difícil de se entender. Como pode um povo que estava na presença do Deus vivo, vendo a sua majestade e poder, cometer tamanho ato de idolatria?

Uma breve análise da passagem do bezerro de ouro vai nos ajudar a compreender o engano de Eva, e a natureza de sua queda.

A adoração ao bezerro de ouro não acontece em um "vácuo", de forma súbita, nem de uma ora para outra. É na verdade, a continuidade de um padrão de comportamento estabelecido no momento que a revelação se inicia.

Quando Deus se revela ao seu povo, eles ao invés de desejarem uma proximidade maior com Ele, respondem ao Seu chamado com uma insólita regressão.

"E todo o povo viu os trovões e os relâmpagos, e o sonido da buzina, e o monte fumegando; e o povo, vendo isso retirou-se e pôs-se de longe.
E disseram a Moisés: Fala tu conosco, e ouviremos: e não fale Deus conosco, para que não morramos [pen-namut פן־נמות]" Êxodo 20:18-19

Note que a frase pen-namut פן־נמות , "para que não morramos", é exatamente a mesma usada anteriormente por Eva quando descrevia, para a serpente, as potenciais consequências de se comer do fruto proibido.

Como podemos perceber, esta frase indica o medo de um iminente e arbitrário perigo.

A reação dos filhos de Israel contrasta profundamente com a disposição que tiveram algumas semanas mais cedo, após a destruição do exército egípcio no Mar Vermelho.

Lá, quando estavam às margens do Mar Vermelho, a revelação do poder de Deus foi recebida com canções, danças e alegrias; não com medo ou querendo recuar.

E porque então, eles reagem de uma forma tão diferente agora nesta passagem do Sinai?

A resposta está encravada na monumental diferença entre estes dois eventos: A mensagem do Mar Vermelho é "Deus cuidará de vós". Já a mensagem do Sinai é "Deus requer algo de vós".

Defrontados com demandas sobre seu comportamento, o povo busca mais pelo conforto pessoal do que pelo confrontamento de si mesmo.

Eles desesperadamente tentam se distanciar de Deus e de suas demandas, pedindo que Moisés falasse com eles, em lugar de Deus.

E quando Moisés demora, além das expectativas, para descer do monte Sinai, o medo de que Deus voltasse a fazer demandas, falando diretamente ao povo, se torna esmagador.

O bezerro de ouro é criado para substituir Moisés, e servir como intermediário entre a nação Israelita e Deus.

Dessa forma, os encargos de uma comunicação próxima e direta com o divino podiam ser evitados. Tragicamente, a nação Judaica caiu na mesma armadilha, estabelecida primeiramente no jardim do Éden.

Muitas vezes não compreendemos a vontade de Deus, expressa em sua palavra. E partimos para deveras uma religiosidade extremada, quem sabe cheia de superstições e medos.

Mas o medo falha em nos manter longe do pecado, isso já foi demonstrado diversas vezes na história da humanidade.

O que realmente pode nos ajudar a continuar pelo caminho da retidão, é não outro, senão o entendimento e a compreensão da palavra de Deus.

E a palavra nos impele a uma reflexão profunda, em um verdadeiro confronto de si mesmo, para um auto-exame da nossa consciência. Para descobrirmos, enfrentarmos e corrigirmos as nossas falhas de caráter.

Com certeza temos muitas. Mas mudar a nossa trajetória de vida, melhorar, buscar uma nova prática de vida dá trabalho e exige esforço. Razão pela qual muitos desistem de fazê-lo.

Revisar, checar aquilo que mais nos desafia em nós mesmos é muito assustador. Ninguém se sente confortável quando vê no espelho da sua consciência, o pior de si mesmo, que precisa ser mudado. Esse é um grande desafio.

"Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba deste cálice" 1 Coríntios 11:28

Ou seja, Deus tem demandas para aqueles que desejam ter comunhão real com Ele. E essas demandas não tem nada a ver com medo e superstições religiosas, mas com o entendimento moral da sua vontade.

O engano de Eva e a queda do homem estão diretamente relacionados com o não entendimento e da não compreensão das demandas e da palavra de Deus.

Eva não creu nas palavras do Senhor, não teve fé, e sem fé não se pode ter vida espiritual.

"Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá pela fé." Romanos 1:17

Sobre o autor |Website

Cursou hebraico bíblico, geografia bíblica, Novo Testamento, e estudos do Apocalipse; é especialista em estudos da Bíblia, certificado pelo Israel Institute of Biblical Studies, autor do livro Gênesis, o livro dos patriarcas.

Para enviar seu comentário, preencha os campos abaixo:

Deixe um comentário

*

1 Comentário

  1. MARY ELLE disse:

    Excelente reflexão. Muito obrigada irmão Israel.