Noé o Dilúvio e a Vinha – Muito Além da Obediência | Estudo Bíblico

A história de Noé, e da arca, mostra que o mundo se encheu de violência. À medida que o coração do homem se tornava cada vez pior em maldade, Deus decide trazer um grande dilúvio que terminaria com aquela geração pecaminosa e violenta.

Somente Noé é achado justo e temente a Deus. E ele recebe o mandamento divino para entrar com sua família e animais na arca. Apenas eles sobrevivem ao dilúvio.

Depois que as águas recuaram, Noé sai da arca e oferece um sacrifício. Deus então, faz uma aliança, um pacto com Noé de que não destruiria mais a terra e a humanidade com água.

Noé planta uma vinha, e bebe do vinho que produziu, ficando bêbado e nu.

Noé o justo

Noé é um dos mais intrigantes personagens da bíblia. E em nenhum outro lugar isto fica tão evidente como na primeira e na última vez em que o Gênesis fala sobre ele. A primeira citação bíblica sobre Noé é muito promissora:

“Noé era homem justo e perfeito em suas gerações; Noé andava com Deus.” Gênesis 6:9

Ninguém mais na Bíblia (nos livros da lei de Moisés), recebe especial honra. Nem Abraão, nem Isaque ou Jacó, nem tão pouco Moisés ou Josué. Porém a última parte da vida de Noé, não é tão agradável de se ler:

“E começou Noé a ser lavrador da terra, e plantou uma vinha. E bebeu do vinho, e embebedou-se; e descobriu-se no meio de sua tenda.” Gênesis 9:20-21

“E viu Cão, o pai de Canaã, a nudez do seu pai, e fê-lo saber a ambos seus irmãos no lado de fora.
Então tomaram Sem e Jafé uma capa, e puseram-na sobre ambos os seus ombros, e indo virados para trás, cobriram a nudez do seu pai, e os seus rostos estavam virados, de maneira que não viram a nudez do seu pai.” Gênesis 9:22-23

O comportamento exemplar de Sem e Jafé, não esconde a situação embaraçosa que deve ter sido ver o único ser humano que foi visto como justo no meio de toda uma humanidade pecaminosa, em uma situação tão degradante.

Como pode um homem de alto caráter e estima espiritual, ter descido a tão baixo nível?

Esta é uma pergunta que a tradição oraljá por um longo tempo tem procurado responder. A tradição oral, investiga e estuda, e é o nome dado às interpretações e aos estudos rabínicos da lei de Moisés.

Estes estudos levam muito a sério a palavra de Deus que está além do tempo, e tem uma mensagem para cada geração em suas diferentes épocas.

Existem muitos estudos sobre Noé (alguns com visões muito positivas, outros nem tanto), mas um em particular fala sobre o seu lugar na história da fé.

A obediência de Noé

Quando as águas recuaram, Noé deveria ter saído da arca. Entretanto, apesar de abrir o telhado da arca e visualizar que toda a terra estava já seca, ele fica inerte.

Ele aguarda o óbvio, é claro que ele tinha que sair da arca, mas não o faz, até que o próprio Deus vê a necessidade de ordená-lo a sair.

O rabino Yehudah bar Ilai (um dos maiores estudiosos do Gênesis do segundo século), afirma em seus estudos: “Se fosse eu lá, eu teria quebrado a porta da arca e sairia imediatamente”.

Para entendermos esta história do dilúvio de Noé, devemos ler o texto cuidadosamente.

A história do dilúvio é contada muito rapidamente. Deus anuncia que a destruição da vida na terra é algo iminente. E ordena a Noé que construísse uma arca, com medidas precisas e específicas.

E detalha que Noé deve levar consigo a sua família e os animais, dois de cada espécie, ou sete em caso de espécies limpas.

Começa a chover, a terra está toda inundada. Noé e sua família são os únicos sobreviventes. A chuva pára, as águas abaixam. Nós esperamos ler em seguida que Noé emerja, que venha para fora.

Mas ao invés disso, a narrativa vai ficando vagarosa. E nos quatorze versos que se seguem, quase nada acontece.

A água retrocede, a arca repousa sobre os montes de Ararate. Noé abre uma janela se solta um corvo, depois solta uma pomba. Ele espera sete dias e volta a soltar a pomba. Ela retorna com uma folha de oliveira.

Passa-se mais sete dias, ele torna a enviar a pomba pela terceira vez. Desta vez ela não retorna, mas mesmo assim Noé não põe o pé fora da arca.

Então Deus tem que falar a Noé “Sai da arca, tu com tua mulher, e teus filhos e as mulheres de teus filhos. Gênesis 8:16″. Só daí é que ele deixa a arca e pisa novamente em terra seca.

diluvio de noé

Somente Noé e Sua Família Sobrevivem ao Dilúvio.

Muito além da obediência

Os estudos da tradição oral deixam uma nota muito interessante para esse caso. Quando se trata de reconstruir um mundo devastado, como estava naquela época, nós não podemos ficar esperando por permissão, é preciso agir.

Senão, vejamos: O que Noé diz para Deus, quando Ele anuncia que o mundo está prestes a perecer? O que Noé diz quando é ordenado a construir uma arca para salvar somente ele e sua família?

O que ele diz quando a chuva começa a cair? A resposta é: Nada!

Durante toda sequência de eventos, não há nenhuma linha no texto que informe que Noé tenha dito uma única palavra. Ao invés, nós lemos, por quatro vezes, sobre a sua obediência silenciosa.

“Assim fez Noé; conforme a tudo o que Deus lhe mandou, assim o fez.” Gênesis 6:22 “E fez Noé conforme a tudo o que o Senhor lhe ordenara.” Gênesis 7:5

E Noé representa o paradigma da obediência bíblica. Ele fez tudo estritamente como foi mandado. Mas a sua história ensina que somente obediência não é suficiente.

Este é um fenômeno extraordinário, pois todos sabemos que no mundo da religião a obediência é a mais alta virtude que se pode alcançar. Mas não é no modo bíblico de pensar.

Apesar do fato do pentateuco (os livros da lei de Moisés) conter 613 mandamentos, não há nenhuma palavra que diga “obedeça”.

O verbo que a Bíblia usa é shema / lishmoa, “ouvir, atender, entender, interiorizar, responder” que significa refletir e depois responder ao mandamento recebido.

Na bíblia, Deus não requere uma obediência cega. E a tradição oral também concorda:

“Deus não lida de forma ditatorial com suas criaturas”. Talmude da Babilônia, tratado Avodah Zarah.

Deus busca mais do que uma submissão inconsequente, sem reflexão interior à sua vontade. Se não fosse assim Ele teria criado máquinas pré-programadas, robôs que responderiam automaticamente aos comandos recebidos.

Deus quer que nós sejamos maduros e deliberativos. Que façamos a sua vontade porque nós a entendemos ou porque confiamos Nele, quando não entendemos.

Ele busca em nós algo maior do que a simples obediência, Ele quer também a responsabilidade. Somos parceiros de Deus nesta batalha pela redenção.

a arca nas águas do dilúvio

As Águas do Dilúvio Destruíram o Mundo Antigo.

É por isso que intuitivamente aprendemos que o pai da fé não é Noé, e sim Abraão. Abraão, que lutou uma guerra para resgatar o seu sobrinho, que orou pelo povo da terra mesmo quando sabia que eles eram pecadores.

Abraão que “questionou” os céus, quando do seu encontro com Deus:

“E chegou-se Abraão, dizendo: Destruirás também o justo com o ímpio?” Gênesis 18:23 “Longe de ti que faças tal coisa, que mates o justo com o ímpio; que o justo seja como o ímpio, longe de ti. Não faria justiça o Juiz de toda a terra?” Gênesis 18:25

Imagine o que não teria dito Abraão quando confrontado com a notícia de que o mundo seria destruído pelo dilúvio.

“E se porventura houver cinqüenta justos na cidade? Ora, não se ire o Senhor, que ainda só mais esta vez falo: Se porventura se acharem ali dez?”

Talvez, quem sabe, Abraão poderia ter salvo o mundo antigo. Claro, ninguém pode afirmar com certeza, mas a oração de um único justo pode muito em seus efeitos!

Muito gente está assim como Noé, aguardando, aguardando, aguardando uma ordem para fazer o bem. Quantas pessoas não afirmam que estão esperando uma confirmação de Deus para fazerem a Sua vontade.

Para fazer o bem ou ajudar o próximo, não há necessidade de confirmação. A vontade de Deus é óbvia e clara.

“Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança. Contra estas coisas não há lei.” Gálatas 5:22-23

Quando Moisés demorou a descer do monte Sinai, onde recebeu as tábuas da lei de Deus, o povo de Israel fez para si um bezerro de ouro e o adorou.

A ira de Deus se acendeu de tal forma que Ele planejava consumir o povo, e fazer de somente Moisés (o único que sobreviveria) uma grande nação.

Pelo que Moisés, diferentemente de Noé, não obedeceu imediatamente ao comando divino, antes intercedeu, orou e clamou pelo povo. E os planos divinos foram modificados, por causa da intercessão de Moisés.

“Então disse o Senhor a Moisés: Vai, desce; porque o teu povo, que fizeste subir do Egito, se tem corrompido,” Êxodo 32:7
“Agora, pois, deixa-me, para que o meu furor se acenda contra ele, e o consuma; e eu farei de ti uma grande nação.” Êxodo 32:10
“Moisés, porém, suplicou ao Senhor seu Deus…Lembra-te de Abraão, de Isaque, e de Israel, os teus servos, aos quais por ti mesmo tens jurado…
Então o Senhor arrependeu-se do mal que dissera que havia de fazer ao seu povo.” Êxodo 32:11-14

É preciso ir além da obediência. Precisamos ser intercessores, somos chamados uma nação de sacerdotes e profetas.

Noé salvou somente ele mesmo e sua família. E Noé termina bêbado, nu, causando constrangimento para seus filhos.

O que nos traz uma mensagem de que se você salva somente a si mesmo, e não faz nada para salvar os outros, nem a você mesmo conseguirá salvar.

“Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo;” Mateus 28:19

Não podemos afirmar como doutrina, mas a narrativa parece querer dizer que Noé não conseguiu viver livre da culpa de ser o único sobrevivente do dilúvio, sem ter ao menos feito uma tentativa apenas para salvar as demais pessoas.

Não se espera por autorização para reconstruir vidas. É necessário correr riscos e andar à frente. Fé é mais do que obediência, é coragem para fazer.

Sobre o autor |Website

Cursou hebraico bíblico, geografia bíblica, Novo Testamento, e estudos do Apocalipse; é especialista em estudos da Bíblia, certificado pelo Israel Institute of Biblical Studies, autor do livro Gênesis, o livro dos patriarcas.

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5 Comentários

  1. Leandro Henrique disse:

    2 Pedro 2: 5. e não perdoou ao mundo antigo, mas guardou a Noé, pregoeiro da justiça, com mais sete pessoas, ao trazer o dilúvio sobre o mundo dos ímpios;

    • Israel Silva disse:

      Esse verso não diz que Noé pregou sobre o dilúvio. Muito menos nos termos que hoje entendemos essa palavra. Ele viveu muitos anos. Mas especificamente o Genesis não traz essa informação.

      Na época dos Apóstolos muitas histórias surgiram nos chamados midrashim, e ele provavelmente estava refletindo um midrash desses. Eram contos rabínicos. Pedro com um bom judeu conhecia.

      Essa história parábola, ficou registrada no livro Pirke d’Rabbi Eliezer (Heger), ‘Chorev’ capítulo 22:

      “Noé disse a eles [o povo de sua geração], voltem de seus maus caminhos e obras, para que as águas do dilúvio não caiam sobre vocês e extingam a descendência do homem.”

      Muita gente tem dificuldade de entender que os Apóstolos usavam dos seus conhecimentos culturais quando escreveram suas cartas.

      Era comum esse entendimento sobre Noé naquela época. Mas a fonte era um midrash, uma parábola rabínica.

      O livro do Genesis tem mais peso teológico, e deve ser a fonte primordial.

      E foi nessa perspectiva que o estudo foi desenvolvido.

      A vida de Noé em si mesma, as suas obras justas, já se constituía em um testemunho da justiça. E se quiser pode usar a palavra pregação.

      Só o testemunho de um justo é uma pregação sem o uso de palavras. A partir dessa perspetiva nós resgatamos o sentido do texto do midrash e de 2 Pedro 2:5.

      Ele não saiu pregando para as pessoas. O Genesis é bem claro de que Noé obedeceu trabalhando na construção da arca.

  2. Edmilson disse:

    “Ainda que Noé, Daniel e Jó estivessem no meio dela, vivo eu, diz o Senhor DEUS, que nem um filho nem uma filha eles livrariam, mas somente eles livrariam as suas próprias almas pela sua justiça”. Ezequiel 14:20

    Creio que Deus pense diferente acerca do seu servo Noé. As comparações acima, com Abraão, Moisés, que intercederam pelo povo não são corretas, pois no caso da punição ao povo de Sodoma e Gomorra, e ao povo de Israel no deserto, seriam imediatas. No caso de Noé, o Senhor disse: Não contenderá o meu Espírito com o homem para sempre, mas os seus dias serão de 120 anos. Alguém acredita mesmo que um homem com as credenciais de Noé, não tenha pregado para o povo durante a construção da Arca?
    Parabéns pelo estudo, mas deixo esta ressalva quanto às credenciais do justo homem de Deus.

    • Israel Silva disse:

      O estudo foi feito com base no texto bíblico, com as informações que o texto nos passa.

      O estudo está correto, levando em consideração o texto bíblico.

      Mas fique a vontade para discordar.

  3. José Guimarães e Silva disse:

    Olá Israel Silva

    Muito bom ler seu post sobre Noé e a vinha.
    A história de Noé se torna conturbada,no momento em que ele aparece na situação como é descrita na Bíblia.
    Mais conturbado ainda se torna o posicionamento de seu filho Cão, quando vê a nudez do pai e sai zombando daquele que o gerou.