“E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção” Gênesis 13:2.
De tempos em tempos a promessa é seguramente repetida, mas Sara não podia ter filhos, pois era estéril.
O rabino Rashi comenta que a benção prometida a Abraão é ligada à jornada, como se Deus estivesse dizendo que na terra de Canaã, Abraão e Sara seriam capazes de ter filhos.
E esta promessa é repetida e expandida no capítulo seguinte:
“E farei a tua descendência como o pó da terra; de maneira que se alguém puder contar o pó da terra, também a tua descendência será contada” Gênesis 13:16
Dois capítulos depois, novamente lemos esta promessa pela terceira vez, mas agora de uma forma ainda mais dramática:
“Olha agora para os céus, e conta as estrelas, se as podes contar. E disse-lhe: Assim será a tua descendência” Gênesis 15:5
E uma quarta vez ouvimos a promessa, quando Deus faz um pacto com Abraão. Agora ficamos sabendo que Abraão será o pai não de somente uma, mas de várias nações. E para simbolizar esta aliança, Deus muda o nome de Abraão:
“Quanto a mim, eis a minha aliança contigo: serás o pai de muitas nações; E não se chamará mais o teu nome Abrão, mas Abraão será o teu nome; porque por pai de muitas nações te tenho posto;
E te farei frutificar grandissimamente, e de ti farei nações, e reis sairão de ti” Gênesis 17:4-6
Abraão não será um pai comum, uma vez que sua descendência seria como as estrelas do céu, como o pó da terra, algo impossível de ser contado. Dele sairiam muitas nações e reinos.
Com certeza, tudo isto estava de forma implícita no nome dele, pois Ab quer dizer pai, Abrão quer dizer pai poderoso, Abraão significa pai de muitas nações.
E já nos primeiros tempos da jornada, iniciada a partir de “lech lecha”, descobrimos uma sequência de eventos, histórias onde cada uma se relaciona com o insucesso de Abraão em ter filhos, a condição básica para que todas essas promessas se realizem na vida do patriarca de Israel.
O primeiro evento é a respeito de seu sobrinho Ló. Abraão sai em sua jornada de fé, e leva consigo o filho de seu irmão Naor.
Um motivo razoável seria que Abraão, sem filhos e com uma esposa estéril, tenha decidido adotar Ló, ou fazê-lo seu herdeiro e sucessor.
Mas se este era o plano, ele falhou. Depois da passagem que tiveram pelo Egito, ambos possuíam extensos rebanhos, e eram tantos que não podiam pastar juntos.
Há então um desentendimento entre seus respectivos pastores, é quando Abraão percebe que eles terão que se separar.
“E disse Abrão a Ló: Ora, não haja contenda entre mim e ti, e entre os meus pastores e os teus pastores, porque somos irmãos. Não está toda a terra diante de ti?
Eia, pois, aparta-te de mim; e se escolheres a esquerda, irei para a direita; e se a direita escolheres, eu irei para a esquerda.” Gênesis 13:8-9
Ló escolhe a boa terra, porém que estava cheia de maus habitantes. Ló deu mais valor ao material do que ao moral e ao espiritual.
“E levantou Ló os seus olhos, e viu toda a campina do Jordão, que era toda bem regada, antes do Senhor ter destruído Sodoma e Gomorra, e era como o jardim do Senhor, como a terra do Egito, quando se entra em Zoar. Então Ló escolheu para si toda a campina do Jordão, e partiu Ló para o oriente, e apartaram-se um do outro. Habitou Abrão na terra de Canaã e Ló habitou nas cidades da campina, e armou as suas tendas até Sodoma.
Ora, eram maus os homens de Sodoma, e grandes pecadores contra o Senhor.” Gênesis 13:10-13
E antes de conhecermos toda a narrativa de Sodoma e Gomorra, o texto já nos informa de seu futuro destino e destruição, enfatizando por duas vezes o caráter corrupto dos habitantes daquelas duas cidades, “homens maus e grandes pecadores”.
Mas nada disso poderia ser aparente e notável para Ló naquele tempo. Podemos até imaginá-lo subindo em um pequeno monte, olhando a terra em redor, procurando a melhor opção, o melhor caminho para seguir.
Ele não tem como saber do caráter das pessoas que estão nas cidades que avista, nem de seu tenebroso destino.
A evidência do insucesso de Ló reside no fato de ele “levantou os seus olhos, e viu toda a campina do Jordão”, como também Eva no princípio, viu que o fruto da árvore do conhecimento:
“…era boa para se comer, e agradável aos olhos” Gênesis 3:6.
Ló julgou pelas aparências. Os filhos da promessa não seguem as aparências, imagens, mesmo que bonitas, boas aos olhos.
Os filhos da aliança seguem o som, a voz de Deus que se faz ouvir no profundo da alma, e não na superficialidade do que é visível ou palpável.
Assim, Abraão perde o seu primeiro potencial herdeiro. Agora, se não era Ló, quem então seria? Isso cria uma crise para Abraão. E ele expressa, abre o seu coração para Deus, registradas nessas suas mesmas palavras:
“Depois destas coisas veio a palavra do SENHOR a Abrão em visão, dizendo: Não temas, Abrão, eu sou o teu escudo, o teu grandíssimo galardão. Então disse Abrão: Senhor DEUS, que me hás de dar, pois ando sem filhos, e o mordomo da minha casa é o damasceno Eliézer? Disse mais Abrão: Eis que não me tens dado filhos, e eis que um nascido na minha casa será o meu herdeiro.” Gênesis 15:1-3
Segundo documentos antigos, os arquivos de Nuzi, descobertos em escavações na cidade de Kirkuk, no norte do Iraque, era muito bem estabelecida, no tempo de Abraão, a prática de que cidadãos sem filhos adotavam até mesmo um escravo como filho ou herdeiro, que neste caso seria Eliézer.
Adotando ou não Abraão a Eliezer, seu servo, ficou claro que com a partida de Ló, não havia mais ninguém que poderia tomar o seu lugar. Mas Deus reafirma a sua promessa a Abraão:
“Este não será o teu herdeiro; mas aquele que de tuas entranhas sair, este será o teu herdeiro” Gênesis 15:4.
Daí que segue a promessa de tantos filhos como as estrelas do céu.
O terceiro drama é o que se mostra mais difícil. Sarai, sabendo que era infértil, sugere que Abraão tome a sua serva Agar como mulher, para que esta lhe dê um filho.
Abraão concorda e Agar concebe. Mas quando ela percebe que está grávida, começa a tratar sua senhora, Sarai, com contenda.
“Então disse Sarai a Abrão: Meu agravo seja sobre ti; minha serva pus eu em teu regaço; vendo ela agora que concebeu, sou menosprezada aos seus olhos; o Senhor julgue entre mim e ti. E disse Abrão a Sarai: Eis que tua serva está na tua mão; faze-lhe o que bom é aos teus olhos. E afligiu-a Sarai, e ela fugiu de sua face” Gênesis 16:5-6
Esta passagem é um tanto estranha e expõe ações não muito agradáveis de todos os três protagonistas. Agar é desrespeitosa, Sara é petulante, e Abraão é aparentemente indiferente.
Nahmanides, rabino catalão e grande conhecedor da Bíblia, foi por um tempo relutante em criticar o comportamento dos patriarcas e das matriarcas, assim como relutaram muitos outros comentaristas do antigo testamento.
Seja qual for a forma como interpretamos esta passagem, a verdade é que as tensões sobem. Abraão e Sara agem com a emoção.
Seus nervos estão à flor da pele por causa da longa espera para o cumprimento da promessa divina, há um sentimento de frustração em ambos.
Mas Deus deixa claro que Ismael, filho de Abraão com Agar, não será o filho da promessa, o portador da aliança que levará a fé adiante.
Apesar de todas as circunstâncias mostrarem o contrário – Sarai é avançada em idade, e estéril – ela conceberá e dará à luz um filho. Mas naquele momento Abraão é levado por seus sentimentos paternais em relação à Ismael:
“Disse Deus mais a Abraão: A Sarai tua mulher não chamarás mais pelo nome de Sarai, mas Sara será o seu nome.
Porque eu a hei de abençoar, e te darei dela um filho; e a abençoarei, e será mãe das nações; reis de povos sairão dela. Então caiu Abraão sobre o seu rosto, e riu-se, e disse no seu coração: A um homem de cem anos há de nascer um filho? E dará à luz Sara da idade de noventa anos?
E disse Abraão a Deus: Quem dera que viva Ismael diante de teu rosto!” Gênesis 17:15-18
Então, até este ponto da história do Gênesis, vemos quatro promessas de filhos e três possíveis herdeiros, Ló, Eliezer e Ismael, que não foram aprovados para portar o pacto divino, e dar origem a uma nação sacerdotal e profética.
Ló foi habitar em meio a homens maus que não se cansavam de pecar contra Deus. Eliezer não fazia parte da família patriarcal. E Ismael se tornaria:
“homem feroz, e a sua mão será contra todos, e a mão de todos contra ele” Gênesis 16:12.
Sara, assim como Rebeca e Raquel, que vieram após ela, era estéril, e os filhos que as matriarcas tiveram foram literalmente milagres, presentes divinos, filhos de Deus.
Semelhantemente, Moisés, de língua pesada, seria aquele que suas palavras vinham de Deus e não de sua própria boca.
A vida destes personagens bíblicos era assim, cheia de contratempos, com muitas dificuldades, erros e acertos. Isso porque os patriarcas e profetas vivem no mundo real e não em um mundo mítico ou lendário.
Abraão iniciou sua jornada, mas ela estava repleta de obstáculos.
Ele recebe uma promessa de ter filhos com sua esposa Sara, mas o cumprimento é longamente demorado e permeado por situações adversas, de difícil decisão.
Seja qual fosse a promessa divina, ela não é imediatamente cumprida. A jornada de Abraão, como a de Moisés e dos Israelitas em uma geração posterior, leva muito mais tempo do que eles esperavam.
Não existe uma transição súbita entre o lugar em que estavam, para a terra prometida, partindo do ponto inicial até o destino final.
Para Deus, criar o universo inteiro pode levar apenas sete dias, mas no mundo humano, tudo que exige uma profunda transformação leva tempo para se concretizar. E é nesta arena do tempo que se forma o drama humano.
Fé é a habilidade de viver, e esperar esta longa demora, sem perder a confiança na promessa;
E experimentar desapontamento, sem perder a esperança; e saber que a estrada entre o ideal e o real é longa, e ainda assim estar disposto a aceitar esta jornada. Esta era a fé de Abraão e Sara, e de Moisés e dos profetas que vieram depois deles.
E com certeza deve ser a nossa também. Deus cumpre as suas promessas, mas nem sempre quando nós esperamos. Manter a esperança, era a fé que Abraão Sara e seus filhos viveram.
Embora eles tenham passado por desapontamentos, e tenham algumas vezes expressado suas dúvidas e medos, tudo teve um propósito, a fé que os manteve vivos, a fé que chegou até nós.
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