José Reencontra Seus Irmãos | Estudo Bíblico

José é agora Governador do Egito, e a fome que ele previu chegou com toda a sua força, se estendendo para além do Egito até a terra de Canaã:

“E começaram a vir os sete anos de fome, como José tinha dito; e havia fome em todas as terras, mas em toda a terra do Egito havia pão”.

E tendo toda a terra do Egito fome, clamou o povo a Faraó por pão; e Faraó disse a todos os egípcios: Ide a José; o que ele vos disser, fazei.
Havendo, pois, fome sobre toda a terra, abriu José tudo em que havia mantimento, e vendeu aos egípcios; porque a fome prevaleceu na terra do Egito”. “E de todas as terras vinham ao Egito, para comprar de José; porquanto a fome prevaleceu em todas as terras”. Gênesis 41:54-57

Procurando por alimento, os irmãos de José viajam ao Egito. E eles chegam ao palácio do homem que está encarregado de fazer a distribuição dos grãos.

“José, pois, era o governador daquela terra; ele vendia a todo o povo da terra; e os irmãos de José chegaram e inclinaram-se a ele, com o rosto em terra. E José, vendo os seus irmãos, conheceu-os; porém mostrou-se estranho para com eles, e falou-lhes asperamente, e disse-lhes: De onde vindes?
E eles disseram: Da terra de Canaã, para comprarmos mantimento. José, pois, conheceu os seus irmãos; mas eles não o conheceram”. Gênesis 42:6-8

José estava bem diferente de quando era mais novo. Há algo muito familiar nesta cena. Estamos de volta ao “mundo” das simulações e das trocas de identidades, que definiram a primeira parte da história de Jacó e seus filhos.

Aqui nós encontramos aquilo que Robert Bernard Alter (professor de hebraico e de literatura comparativa da Universidade da Califórnia), chama de “cena-modelo”, um drama vivido várias vezes com algumas variações.

Estas cenas são particularmente muito frequentes no livro do Gênesis.

Não há uma regra comum para interpretarmos uma cena-modelo. Um bom exemplo seria “um-homem-encontra-uma-mulher-próximo-a-um-poço”, um encontro que ocorre três vezes nos cinco primeiros livros de Moisés:

  • 1. Com o servo de Abraão e Rebeca:
“E antes que eu acabasse de falar no meu coração, eis que Rebeca saía com o seu cântaro sobre o seu ombro, desceu à fonte e tirou água; e eu lhe disse: Peço-te, dá-me de beber” Gênesis 24:45;
  • 2. Com Jacó e Raquel:
“E aconteceu que, vendo Jacó a Raquel, filha de Labão, irmão de sua mãe, e as ovelhas de Labão, irmão de sua mãe, chegou Jacó, e revolveu a pedra de sobre a boca do poço e deu de beber às ovelhas de Labão, irmão de sua mãe” Gênesis 29:10; e
  • 3. Com Moisés e as filhas de Jetro:
“E o sacerdote de Midiã tinha sete filhas, as quais vieram tirar água, e encheram os bebedouros, para dar de beber ao rebanho de seu pai.
Então vieram os pastores, e expulsaram-nas dali; Moisés, porém, levantou-se e defendeu-as, e deu de beber ao rebanho” Êxodo 2:16-17.

O local na verdade não é tão importante nesses encontros, poços eram o lugar onde estranhos se encontravam naqueles dias, da mesma forma como atualmente pessoas se encontram quando vão tomar água de um bebedouro em uma faculdade com milhares de alunos.

O que precisamos entender aqui é que nestes episódios citados há suas variações: O ativismo de Rebeca, a amostra da força de Jacó, e a busca de Moisés por justiça.

Ou seja, essa cena-modelo, que envolve encontros próximos a um poço, é na verdade um teste sobre o caráter desses personagens, mostrando como é o tratamento que eles dão às pessoas que eles não conhecem, quando as encontram pela primeira vez.

E no caso do reencontro entre José e seus irmãos, se quisermos entender o significado deste acontecimento, então teremos que primeiro entender a mensagem que três outras cenas de encontros trazem no livro do Gênesis.

Disfarces irreconhecíveis

A primeira cena-modelo acontece na tenda de Isaque. Ele está velho e cego. Ele manda que seu filho mais velho vá caçar e preparar uma refeição “para que minha alma te abençoe, antes que morra”. Gênesis 27:4.

Mais cedo do que imaginava, Isaque ouve alguém adentrando sua tenda. “Quem és tu meu filho?” – ele pergunta. “Eu sou Esaú, teu primogênito.” – a voz responde.

Isaque pensa que era Esaú, mas era um dissimulado Jacó em seu disfarce.

Na segunda cena, Jacó tinha fugido para a casa de seu tio Labão. Ao chegar, ele se depara com Raquel, e se apaixona por ela. E se oferece a trabalhar por sete anos para poder se casar com ela. E:

“assim serviu Jacó sete anos por Raquel; e estes lhe pareceram como poucos dias, pelo muito que a amava”. Gênesis 29:20.

O dia do casamento se aproximava cada vez mais. Labão, pai de Raquel prepara uma festa de celebração pelo casamento de sua filha.

A noiva entra na tenda de Jacó, que depois de longos anos de espera, ao menos tinha se casado com o amor de sua vida.

Mas quando amanhece o dia, Jacó descobre que tinha sido vítima de engano. Não era Raquel, era Lea disfarçada de sua irmã mais nova.

Na terceira cena Judá está casado com uma mulher Cananeia e tem três filhos. O primogênito se casa com uma mulher do local onde habitava, chamada Tamar.

Mas ele morre misteriosamente, ainda muito jovem, deixando sua esposa sem filhos.

Seguindo a Lei do levirato, que já era um costume tribal mesmo antes da Lei de Moisés, Judá dá em casamento o seu segundo filho a Tamar para manter viva a descendência de seu falecido primogênito.

Mas Onan:

“porém, soube que esta descendência não havia de ser para ele; e aconteceu que, quando possuía a mulher de seu irmão, derramava o sêmen na terra, para não dar descendência a seu irmão”. Gênesis 38:9.

E ele também morre muito jovem.

Por isso Judá fica temeroso de dar a Tamar o seu terceiro filho, deixando-a, conforme o costume (uma versão pré-Mosaica da lei), uma viúva presa e limitada a se casar apenas com o filho de Judá, que por sua vez alegava ser seu filho ainda muito jovem.

Isso fazia com que Tamar não pudesse se casar com mais ninguém.

Os anos se passam. A esposa de Judá morre. E ele voltando da tosquia de suas ovelhas, vê à beira do caminho uma prostituta com o rosto coberto por um véu.

Ele pede para dormir com ela, oferecendo como pagamento um cabrito de seu rebanho. Mas ela pede por seu selo, seu cordão e seu cajado como penhor, por segurança em caso de não vir a ser paga.

No dia seguinte ele envia um amigo para entregar o cabrito como pagamento, mas ele não encontra a prostituta, e nenhum morador daquela localidade jamais havia sabido de alguma prostituta que habitasse ali.

Três meses depois Judá ouve que sua nora estava grávida. E ele fica furioso. Tamar estava presa, pela lei do levirato, prometida a seu filho mais novo chamado Selá.

Ela não tinha permissão a ter relações com mais ninguém. Assim, ela era culpada do crime de adultério, “Tirai-a fora para que seja queimada”. Gênesis 38:24.

Tamar é trazida para ser morta, mas ela tem um último desejo, ela pede que seja levado a Judá o selo, o cordão e o cajado, “Do homem de quem são estas coisas eu concebi”. Gênesis 38:25.

Judá entende imediatamente. Tamar, que não podia se casar com outro homem, a não ser o filho de Judá (que também não era dado à ela por causa do temor de Judá em perder outro filho).

E para que pudesse ter um filho que honrasse a memória de seu primeiro marido falecido, engana o seu sogro, fazendo-o cumprir o dever que Selá, seu caçula, deveria ter feito.

“Mais justa é ela do que eu, porquanto não a tenho dado a Selá meu filho. E nunca mais a conheceu”. Gênesis 38:26

Judá pensou que havia tido relações com uma prostituta, mas era a sua nora Tamar em seu disfarce.

Por detrás das máscaras

É desta perspectiva que o reencontro de José com seus irmãos deve ser entendido. O homem para quem seus irmãos se inclinam, não tem nenhuma aparência de um pastor de ovelhas hebreu.

Ele fala a língua egípcia. Ele está vestido com as roupas de um Governador Egípcio. Ele é chamado de Zafenate – Panéia, um nome Egípcio.

E seus irmãos pensam que estão diante de um príncipe Egípcio, mas na verdade ele é José – seu irmão – em seu “disfarce Egípcio”.

São quatro cenas-modelo, quatro disfarces, quatro falhas em ver o que há por detrás das máscaras desses personagens concebidos pelas mais diversas razões. Teriam eles todos algo em comum?

Sim, pois é somente quando não são reconhecidos é que Jacó, Lea e Tamar podem ser “reconhecidos”.

É somente quando Jacó, Lea e Tamar não são reconhecidos é que eles são levados a sério, respeitados e atendidos. Isaque ama Esaú e não Jacó. Jacó ama Raquel e não Lea.

Judá pensa em seu filho mais novo, e não na situação de Tamar. José é odiado por seus irmãos.

Somente quando eles aparentam ser alguém que eles não são é que eles conseguem obter o que eles buscam – para Jacó, a benção de seu pai; para Lea, um marido; para Tamar, um filho; e para José a atenção genuína e não violenta de seus irmãos.

A situação desses quatro personagens pode ser resumida em uma única e marcante frase: “José, pois, conheceu os seus irmãos; mas eles não o conheceram” Gênesis 42:8.

E todos esses disfarces funcionaram? Sim, por um curto período de tempo. Mas não por um longo período: Jacó passa por um grande sofrimento por ter roubado a benção de Esaú.

Lea, embora tenha se casado com Jacó, nunca ganha o seu amor. Tamar tem um filho, porém Judá nunca mais teve intimidades com ela, “E nunca mais a conheceu” Gênesis 38:26.

E com José, seus irmãos não mais o odeiam, porém, agora eles tem medo dele. Mesmo após José reafirmar que não guardava nenhuma mágoa deles, eles ainda pensam que ele se vingaria, depois que Jacó morresse.

Mas felizmente Jacó, Lea, Tamar e José aprendem que embora eles nunca consigam a afeição e o carinho daqueles de quem tanto buscavam, Deus está com eles, e isto é a fonte de seu conforto.

Um disfarce é um ato de se esconder – dos outros ou talvez de si mesmo. Mas de Deus nós não podemos e nem precisamos nos esconder.

“porque o Senhor não vê como vê o homem, pois o homem vê o que está diante dos olhos, porém o Senhor olha para o coração”. 1 Samuel 16:7.

Deus conhece os nossos pensamentos, e ouve o nosso choro, e responde até mesmo aquelas orações que não temos forças para verbalizar. Ele é atencioso com aqueles que são desprezados, o socorro bem presente na hora da angústia.

Ninguém precisa de disfarces, nem de máscaras quando na presença de Deus, para alcançar o seu verdadeiro valor.

Sobre o autor |Website

Cursou hebraico bíblico, geografia bíblica, Novo Testamento, e estudos do Apocalipse; é especialista em estudos da Bíblia, certificado pelo Israel Institute of Biblical Studies, autor do livro Gênesis, o livro dos patriarcas.

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