José Se Revela aos Seus Irmãos – Em Busca do Arrependimento

O drama de José e seus irmãos já toma oito capítulos no Gênesis, e agora vai chegando ao seu clímax. Judá e José estão face a face, Benjamin, o mais novo, é acusado de furto e pode ser condenado a uma vida inteira de escravidão.

Judá faz um pedido emocionado pela libertação do filho caçula de seu pai. O copo de prata foi achado dentro do saco de Benjamin.

Judá não contesta os fatos, mas ele implora pela misericórdia do “príncipe Egípcio”, cuja identidade ele ainda não conhece, e ele o pede para que considerasse o mal que a prisão de Benjamin faria ao seu pai, Jacó.

De fato Jacó já tinha perdido o seu filho amado, a perda de mais um, causaria um choque que o mataria.

“Porque teu servo se deu por fiador por este moço para com meu pai, dizendo: Se eu o não tornar para ti, serei culpado para com meu pai por todos os dias.
Agora, pois, fique teu servo em lugar deste moço por escravo de meu senhor, e que suba o moço com os seus irmãos. Porque, como subirei eu a meu pai, se o moço não for comigo? para que não veja eu o mal que sobrevirá a meu pai”. Gênesis 44:32-34

Estas são as palavras que finalmente quebram o coração de José. Tomado de emoção, ele manda que seus subordinados Egípcios saiam de sua presença, então se volta para seus irmãos e revela a sua verdadeira identidade:

“Então José não se podia conter diante de todos os que estavam com ele; e clamou: Fazei sair daqui a todo o homem; e ninguém ficou com ele, quando José se deu a conhecer a seus irmãos.
E levantou a sua voz com choro, de maneira que os egípcios o ouviam, e a casa de Faraó o ouviu. E disse José a seus irmãos: Eu sou José; vive ainda meu pai? E seus irmãos não lhe puderam responder, porque estavam pasmados diante da sua face”. Gênesis 45:1-3

O silêncio dos irmãos é “gritante”! Eles estão aterrorizados, o príncipe Egípcio é o seu irmão, o garoto que, anos antes, eles tinham vendido para ser escravo.

E não podem dizer nem fazer nada, ficaram paralisados por uma combinação de choque e culpa. Quebrando o “gelo” do silêncio, José continuou. Ele não tinha guardado mágoa ou rancor de seus irmãos, nem os considerava culpados.

Não há raiva em suas palavras, e José, inesperadamente, conforta seus irmãos, e os perdoa. Suas palavras são cheias de graça, paz e perdão:

“E disse José a seus irmãos: Peço-vos, chegai-vos a mim. E chegaram-se; então disse ele: Eu sou José vosso irmão, a quem vendestes para o Egito.
Agora, pois, não vos entristeçais, nem vos pese aos vossos olhos por me haverdes vendido para cá; porque para conservação da vida, Deus me enviou adiante de vós. Porque já houve dois anos de fome no meio da terra, e ainda restam cinco anos em que não haverá lavoura nem sega.
Pelo que Deus me enviou adiante de vós, para conservar vossa sucessão na terra, e para guardar-vos em vida por um grande livramento. Assim não fostes vós que me enviastes para cá, senão Deus, que me tem posto por pai de Faraó, e por senhor de toda a sua casa, e como regente em toda a terra do Egito”. Gênesis 45:4-8

Assim, esta história se aproximava de seu fim.

O constrangimento que se iniciou com “Vendo, pois, seus irmãos que seu pai o amava mais do que a todos eles, odiaram-no, e não podiam falar com ele pacificamente”. Gênesis 37:4, terminava ali.

O sonho de José se cumpre

E como José sonhou por duas vezes, seus irmãos se curvaram diante dele, e ele sobreviveu à tentativa deles de matá-lo.

E saiu da condição mais baixa que um ser humano pode chegar, um escravo, que não tinha poder algum de decidir sobre si mesmo, que via negado o bem mais precioso que se pode ter – a liberdade.

Mas aprouve Deus de fazê-lo o segundo homem mais poderoso, na maior potência, o maior império do mundo antigo.

Mas mesmo diante de tudo isso, ainda assim fica uma pergunta central: Que tipo de história é essa? Seria algum tipo de conto de fadas, onde milagrosamente o pobre se torna rico e importante?

Seria uma história sobre vingança – pois José fala asperamente com seus irmãos, prende alguns deles e ameaça condenar Benjamin à escravidão?

Ou seria simplesmente a história da tragédia de uma família dissolvida em suas brigas internas?

Para entender essa parte da vida de José, nós temos que rastrear a sequência de eventos, para podermos entender as intenções de José nos sucessivos encontroscom seus irmãos.

Primeiramente, os irmãos chegam diante de José para comprar grãos. Ele os reconhece, mas eles não o reconhecem. Ele então fala asperamente com eles, os acusando de espionagem. E ele os aprisiona por três dias.

Depois José os liberta, mas mantém Simeão aprisionado, e avisa que devem trazer Benjamin, da próxima vez para verificar a sua história.

Sem que eles soubessem, José manda que se colocasse de volta, nos sacos de mantimentos, o dinheiro que tinham pago. Quando descobrem, os irmãos ficam muito nervosos.

Alguma coisa está acontecendo, mas eles não sabem o que é. Eles estão retornando sem Simeão, mas com o dinheiro em seu lugar.

Era algo que não fazia sentido, mas os chamava à culpa que rondava suas consciências. Não foi isso que eles fizeram, vendendo seu irmão (José) por dinheiro? Eles se estremecem e se perguntam:

“Que é isto que Deus nos tem feito?” Gênesis 42:28.

Quando chegam em casa, contam tudo o que aconteceu ao seu pai. Mas Jacó se recusa a deixar que levam Benjamin ao Egito. A comida, porém, pouco a pouco vai acabando.

Judá consegue persuadir seu pai a permitir que Benjamin os acompanhe de volta ao Egito.

Dessa vez, José os recebe muito bem, liberta Simeão e convida a todos para comer com ele. E depois que fornece suprimentos, ele os envia para casa.

Mas agora, há mais do que somente o dinheiro em seus sacos de grãos, pois o seu copo de prata favorito está no saco de suprimentos de Benjamin.

Os irmãos deixaram o Egito, aliviados, pensando que tudo havia se resolvido. Mas pouco depois que partem, são alcançados pelo empregado de José. Alguém roubou a sua taça favorita.

Os irmãos alegam inocência. O empregado de José faz uma busca começando do mais velho, até o mais novo. A taça de prata é encontrada em meio aos grãos de Benjamin.

O pior pesadelo dos irmãos de José se torna em realidade. Eles sabiam que não poderiam voltar ao seu pai sem Benjamin. Judá tinha penhorado a sua vida nisso:

“Eu serei fiador por ele, da minha mão o requererás; se eu não o trouxer, e não o puser perante a tua face, serei réu de crime para contigo para sempre”. Gênesis 43:9

Assim, os irmãos são levados novamente à presença de José e o drama se torna tenso, chegando realmente ao seu clímax.

Sonhos e vingança

Há muitas possibilidades na interpretação da lógica que dirige este drama, o que confunde tantos os irmãos quanto os leitores da bíblia.

A primeira, sugerida pelo próprio texto “Então José lembrou-se dos sonhos que havia tido deles e disse-lhes: Vós sois espias” Gênesis 42:9, seria que José estaria agindo para cumprir seus sonhos, em que sua família se curvava diante dele.

Entretanto, este não podia ser o caso, pois lemos que antes que José agisse como um estranho “os irmãos de José chegaram e inclinaram-se a ele, com o rosto em terra” Gênesis 42:6, e isso já cumpria o seu primeiro sonho.

Se ele quisesse simplesmente fazer com que seu segundo sonho fosse também cumprido, ele deveria ter seguido uma estratégia que trouxesse toda a sua família, inclusive Jacó, o mais rápido possível ao Egito.

Jacó e todos os seus filhos teriam se curvado diante dele, cumprindo assim os seus sonhos, e José poderia assim ter revelado sua identidade.

Mas nada disso acontece. José age no sentido não de acelerar o cumprimento de seus sonhos, na verdade, as suas ações mais atrasam que isso aconteça. Por isso não poderia ser que José esta agindo com a intenção de ver seus sonhos realizados.

A segunda possibilidade seria que José estivesse agindo em busca de vingança contra seus irmãos: Ele estaria fazendo seus irmãos sofrerem, assim como eles o fizeram sofrer no passado.

Mas isso também não se provou realidade, pois várias vezes José tem que procurar um lugar em que estivesse sozinho, para poder chorar. Pessoas quando envolvidas com vingança, não choram enquanto a executam.

E a Bíblia enfatiza o estado emocional quase que incontrolável em que José estava, repetindo isso por três vezes, excluindo a possibilidade de José estar agindo movido pelo desejo de vingança.

Aqueles que pagam o mal com mal, tem satisfação em fazê-lo.

E José não demonstra nenhuma satisfação no que fazia. Na verdade, ele estava agindo contra a sua vontade, e isso o causava uma dor indescritível, expressada por seu choro.

Sabendo-se disso, a pergunta em questão permanece com toda a sua força: O que José estava querendo, quando agia daquela forma com seus irmãos em seus encontros?

Em busca do arrependimento

José estava trabalhando, em seus irmãos, aquilo que os Hebreus chamam de Teshuva – um complexo conceito que envolve retorno, reflexão e arrependimento.

É uma ideia que está presente no centro do pensamento bíblico. É o que os profetas chamavam ao povo de Israel e fazer.

O que é a Teshuvah? É o pecador abandonar seus pecados, e removê-los de seus pensamentos, e resolver em seu coração nunca mais cometê-los, assim como está escrito:

“Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno os seus pensamentos, e se converta ao Senhor, que se compadecerá dele; torne para o nosso Deus, porque grandioso é em perdoar” Isaías 55:7

E há uma condição ainda mais profunda para se completar o arrependimento, como muito bem ilustrou Maimônides:

“O que um arrependimento perfeito? Ele ocorre quando há a oportunidade de repetir a ofensa que foi uma vez cometida, mas o indivíduo se guarda para não pecar novamente, não por medo, mas por causa do arrependimento, a teshuvah”.

Assim que entendemos esses pontos, a lógica das ações de José começa a se tornar clara. O drama que ele submete seus irmãos não tem nada a ver com sonhos, ou com vingança.

Muito pelo contrário, José não está agindo por ele mesmo, mas sim pelo bem de seus irmãos. Ele os está conduzindo pelo caminho dos três estágios da teshuvah.

Lembrando do que aconteceu com suas intervenções, sua primeira iniciativa foi acusá-los de um crime que eles não tinham cometido (de serem espias), aprisionando-os por três dias, para ver se isso os lembraria de um outro crime que eles haviam cometido (vender seu irmão mais novo para ser escravo).

O efeito foi certeiro e imediato:

“Então disseram uns aos outros: Na verdade, somos culpados acerca de nosso irmão, pois vimos a angústia da sua alma, quando nos rogava; nós porém não ouvimos, por isso vem sobre nós esta angústia. E Rúben respondeu-lhes, dizendo: Não vo-lo dizia eu: Não pequeis contra o menino; mas não ouvistes; e vedes aqui, o seu sangue também é requerido. E eles não sabiam que José os entendia, porque havia intérprete entre eles”. Gênesis 42:21-23

Seguindo o primeiro encontro com José, seus irmãos confessam e demonstram remorso e arrependimento pelo que fizeram, entrando no primeiro estágio da teshuva.

O segundo estágio acontece distante de onde José estava, mas mesmo assim ele saberia se tinha ocorrido ou não. Ele está mantendo Simeão como prisioneiro, e disse a seus irmãos que somente o libertaria se eles trouxessem Benjamin.

Conhecendo seu pai, como conhecia, José calculou que Jacó só permitiria que Benjamin os acompanhasse se ele tivesse certeza de que seus filhos não deixariam que acontecesse a Benjamin o mesmo que aconteceu com ele.

E isso se concretiza quando Judá diz para seu pai:

“Eu serei fiador por ele, da minha mão o requererás; se eu não o trouxer, e não o puser perante a tua face, serei réu de crime para contigo para sempre”. Gênesis 43:9

A segunda condição para o arrependimento é alcançada: O compromisso de não repetir as suas ofensas. Judá se compromete em não deixar acontecer com Benjamin a mesma ofensa que ocorreu com José, quando este era mais novo.

O terceiro estágio é uma obra prima de José. Ele constrói uma cena, para ver se seus irmãos tinham realmente mudado.

Eles o haviam vendido no passado para ser escravo, e agora coloca seus irmãos em uma posição em que eles serão grandemente tentados a repetir o mesmo erro, abandonando Benjamin à condenação da escravidão.

É por isso que José manda um de seus subordinados colocar sua taça de prata no saco de grãos de Benjamin, para que ele fosse acusado de furto, e tivesse como sentença a escravidão, e diz para seus outros irmãos que eles podem ir livremente para casa.

José, efetivamente, recria o passado. Benjamin, assim como José, é filho de Raquel, e por isso era muito provável que seria invejado e desprezado por seus outros irmãos, filhos de Lea e das concubinas de Jacó.

O ressentimento dos irmãos de José foi aumentado pela inveja que sentiram quando o avistaram vestindo a multicolorida túnica que seu pai o tinha presenteado. E José também recria uma situação de desigualdade.

Quando ele convida seus irmãos para uma refeição, ele arranja para que eles sentassem em ordem de idade, enfatizando que Benjamin era o mais novo.

“E assentaram-se diante dele, o primogênito segundo a sua primogenitura, e o menor segundo a sua menoridade; do que os homens se maravilhavam entre si”. Gênesis 43:33

E ele se assegura de que Benjamin recebesse mais do que todos os seus irmãos, para ver se essa desigualdade causaria algum tipo de inveja ou protesto da parte dos mais velhos:

“E apresentou-lhes as porções que estavam diante dele; porém a porção de Benjamim era cinco vezes maior do que as porções deles todos. E eles beberam, e se regalaram com ele”. Gênesis 43:34

Arrependimento gera mudança

Tanto quanto fosse possível, as condições do primeiro crime, o que os irmãos cometeram contra José, estavam recriadas.

Seu irmão mais novo, filho de Raquel está próximo de ser tomado como escravo no Egito. Seus irmãos têm motivos para o invejarem, como invejaram a José. Mas desta vez eles reagem de forma diferente.

Eles se oferecem para se juntarem ao seu irmão na prisão:

“Então disse Judá: Que diremos a meu senhor? Que falaremos? E como nos justificaremos? Achou Deus a iniqüidade de teus servos;
eis que somos escravos de meu senhor, tanto nós como aquele em cuja mão foi achado o copo”. Gênesis 44:16

Mas José não aceita:

“Mas ele disse: Longe de mim que eu tal faça; o homem em cuja mão o copo foi achado, esse será meu servo; porém vós, subi em paz para vosso pai”. Gênesis 44:17

O momento de julgamento se inicia.

José oferece aos seus irmãos uma saída muito simples, bastava que eles caminhassem e fossem embora, e não teriam mais nenhum problema, porém estariam mais uma vez abandonado um de seus irmãos.

Mas é nesse momento que Judá diz:

“Agora, pois, fique teu servo em lugar deste moço por escravo de meu senhor, e que suba o moço com os seus irmãos”. Gênesis 44:33

A história chega ao seu clímax. Judá, o mesmo irmão que tinha sido o responsável direto pela venda de José ao Egito para ser escravo (Gênesis 37:27), agora se oferece para sacrificar a sua própria liberdade, para salvar Benjamin da escravidão.

As circunstâncias são similares às que ocorreram muitos anos antes, mas agora o comportamento de Judá é dramaticamente oposto ao que foi no passado.

Ele teve a oportunidade e as condições de repetir a mesma ofensa que cometeu contra José, mas ele não comete mais o mesmo erro.

Judá demonstra que atingiu os três estágios do arrependimento, e fazendo assim, José revela sua identidade, e o drama termina:

“E disse José a seus irmãos: Eu sou José; vive ainda meu pai?” Gênesis 45:3

Não foram os sonhos, nem a vingança, mas a teshuva, o arrependimento que dirigia as ações de José. Seus irmãos uma vez o venderam como escravo. Ele sobreviveu, e mais do que isso, ele prosperou.

Ele sabe, e diz isso mais de uma vez, que tudo o que aconteceu com ele foi parte dos planos de Deus.

Sua preocupação não era mais com ele mesmo, mas com seus irmãos. Será que eles sobreviveram? Será que eles perceberam a gravidade do crime que cometeram? Será que são capazes de se arrependerem, e de mudarem?

Toda a sequência de eventos ocorridos entre a chegada deles no Egito e a revelação da identidade de José, é um longo exercício para se alcançar o arrependimento.

Deus sabe que não somos perfeitos, e sabe que cometemos erros. Mas o Senhor quer que aprendamos com nossas falhas e que venhamos a assumir um compromisso de não mais errarmos.

Judá, ao passar no teste de José, demonstrou que os filhos de Israel tinham se tornado em ba’alei teshuva, mestres do arrependimento, capazes de aprender e de crescer através de seus erros.

E é de lá, da tribo de Judá, que se levantou aquele que veio para ensinar a todos os povos o caminho do arrependimento e do perdão.

“E em seu nome se pregasse o arrependimento e a remissão dos pecados, em todas as nações”. Lucas 24:47

Sobre o autor |Website

Cursou hebraico bíblico, geografia bíblica, Novo Testamento, e estudos do Apocalipse; é especialista em estudos da Bíblia, certificado pelo Israel Institute of Biblical Studies, autor do livro Gênesis, o livro dos patriarcas.

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